Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca
Descrição de chapéu Eleições 2018

Uma ideia em troca de dinheiro

Ser remunerado para defender uma posição, influenciar e formar opinião é errado?

"Influenciadores digitais" (podemos ficar com o velho "formadores de opinião") receberam pagamento para defender o PT em suas redes.

Inicialmente, foi-lhes vendida a ideia de que se engajariam na promoção de pautas progressistas e apartidárias que lhes seriam fornecidas rotineiramente.

Em algum momento entre defender Gleisi Hoffmann e cantar loas ao governador do Piauí Wellington Dias, os mais inteligentes entre eles devem ter percebido o claro viés político do esquema.

O esquema é, ademais, ilegal, pois viola as leis de financiamento de campanha.

Quero, no entanto, discutir a ética dessa relação: receber dinheiro para defender uma certa posição. Desde que o esquema foi revelado, os "influenciadores", constrangidos, estão tendo que se explicar para o público. Mas afinal, há motivo para se explicar? Fizeram algo de errado?

Influenciadores digitais receberam pagamento para defender candidatos do PT nas redes sociais
Influenciadores digitais receberam pagamento para defender candidatos do PT nas redes sociais - Léo Burgos - 9.jun.2014/Folhapress

O teor ideológico do que é defendido é o que menos importa aqui. A ideologia tem, na verdade, um papel perverso: ela justifica uma escolha que seria condenada em outros casos. A bondade da causa —os valores progressistas, o meio ambiente, etc.— justifica a maleabilidade do caráter. Na prática, pessoas de direita e de esquerda usam dos mesmos artifícios e se deparam com os mesmos dilemas.

O filósofo conservador Roger Scruton, por exemplo, recebia pagamentos mensais da Japan Tobacco International no início dos anos 2000 para defender o cigarro na mídia. Quando a relação veio à tona em 2002, numa matéria do jornal The Guardian, Scruton perdeu espaço em diversas publicações.

Parece bastante perverso, não é? Não é pior do que os influenciadores agora pagos para elogiar o PT.

A prática admite graus diversos. O mais obviamente grave é o de uma pessoa que aceita defender algo em que ela não acredita em troca de pagamento. Essa pessoa engana o público acerca de suas próprias crenças; trata-o com má-fé.

Mas há também aquela pessoa que recebe para defender algo no qual ela já acredita. Nesse caso, ela não está enganando ninguém; ao menos não à primeira vista.

O problema é que não somos intelectos puros que buscam a verdade desinteressadamente, avaliando argumentos e fatos de maneira imparcial.

Na maioria dos casos —especialmente nos assuntos que importam para o sujeito— a razão tem um papel coadjuvante em definir nossas crenças e posições. Seguimos inclinações do nosso temperamento, as tendências dos grupos a que pertencemos e, não raro, as posições de pessoas nas quais confiamos.

É difícil manter-se razoável em meio a todos os apelos para que se adote este ou aquele lado de maneira acrítica. Receber para defender um deles certamente terá impacto em nosso posicionamento: no mínimo, em nossa disposição para considerar argumentos contrários e para mudar de ideia.

É por isso que a descoberta do vínculo monetário mina a credibilidade do formador de opinião. Ao não revelar esse fato ao leitor, ele trai sua confiança. Se o leitor soubesse, daria menos crédito ao que o formador de opinião escreve. É por isso que esconder o vínculo é parte importante do jogo.

O sonho da internet como um espaço aberto para o cidadão autônomo expressar sua opinião, enriquecer o debate público e aprender no processo revelou-se ingênuo.

Jamais chegaremos ao ideal do espaço público democrático e honesto. O que podemos fazer é combater as práticas que buscam pervertê-lo intencionalmente, minando a confiança que podemos ter uns nos outros.

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