Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca
Descrição de chapéu Folhajus ataque à democracia

Supremo cresceu na medida em que demais Poderes se omitiram

Precedentes abertos por decisões da corte são eles próprios fontes de risco à democracia

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Um ministro do Supremo pode afastar um governador por uma decisão de ofício, ou banir quaisquer usuários das redes sociais —na prática, a esfera pública de nossos tempos— por prazo indefinido e sem possibilidade de recurso. Não é preciso ser fã do Monark ou do Rodrigo Constantino para entender o perigo desse precedente.

Não há contradição nenhuma em afirmar, ao mesmo tempo, que: 1) sem as decisões —às vezes questionáveis— de Alexandre de Moraes, a democracia brasileira estaria em risco. 2) Os precedentes abertos por essas decisões são eles próprios fontes de risco à democracia.

O ministro Alexandre de Moraes observa a destruição feita por vândalos na sede do STF - Rosinei Coutinho - 11.jan.23/Divulgação STF

O primeiro estágio de contenção das decisões monocráticas é o próprio Supremo. Chegamos a ver movimentos nessa direção no fim do ano passado —numa emenda regimental, o Supremo limitou o prazo de pedido de vista e submeteu mais decisões liminares à coletividade dos ministros. Ainda que possam conter excessos individuais, essas mudanças em nada mudam o equilíbrio de forças entre os Poderes, que agora pendem fortemente para o lado do Judiciário.

Esse crescimento de poder do Supremo não se deu no vazio. Vivemos uma onda sem precedentes de ataques à democracia liberal, aos quais as demais instituições brasileiras se mostraram incapazes ou indesejosas de responder. Como apontado por Conrado Hübner Mendes, a primeira e mais grave omissão está na PGR. Se tivéssemos um Ministério Público Federal atuante, tanto da ofensiva contra atos golpistas e violentos não teria que ficar a cargo da caneta do Supremo.

Mas não foi só a PGR. Os demais Poderes da República também se omitiram de maneira vergonhosa. Quando Bolsonaro chefiava o Executivo, é claro que dali só poderia vir, se tanto, colaboração com os movimentos golpistas que agora tentam reconduzi-lo ao poder. Mas o governo Lula, na primeira semana, mostrou-se igualmente indisposto a acabar com os acampamentos nos quartéis, mesmo tendo já uma noite de vandalismo e tentativas de ataques terroristas ligados a eles. O Brasil normalizou o pedido de golpe de Estado, vendo-o como algo "da democracia".

Por fim, o Congresso também tem se omitido. Parlamentares eleitos estiveram entre os fomentadores e incitadores da pior depredação que os prédios dos três Poderes —Congresso inclusive— já sofreram. É inadmissível que continuem a ter seus mandatos como representantes da democracia que tentaram destruir (falo, é claro, de parlamentares que de fato tenham estimulado manifestações golpistas, e não apenas apoiado Bolsonaro ou o bolsonarismo de maneira geral).

Pedidos por sua cassação —ou que sequer tomem posse— já correm no Supremo, mas será que caberá a ele mais uma vez aquilo que o próprio Congresso deveria fazer? Reafirmar a soberania do Congresso frente aos demais Poderes requer que ele faça a sua parte no combate às ameaças.

Há uma semelhança de fundo entre as decisões de Moraes e a Lava Jato. Um juiz que comete possíveis atropelos na lei para atingir um fim socialmente importante que, por falhas nas demais instituições, estava negligenciado: o combate à corrupção num caso, a preservação da democracia no outro. Na Lava Jato, o triunfo total de Moro e dos procuradores foi, com o tempo —e com decisões políticas questionáveis do próprio Moro— sendo revertido até ser completamente enterrado. É preciso que os demais Poderes e órgãos de controle de nossa República não mais se omitam e passem a defender nossa democracia, para que os perigos de um Supremo superdimensionado também possam ser vencidos.

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