Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca
Descrição de chapéu internet Twitter

Twitter estimula o que há de pior em nós, e por isso voltamos

Se Musk não tornar a rede sustentável, morrerá um importante palco do debate público

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Falamos muito do poder das redes sociais, mas não reparamos o quão rápido ele surgiu e o quão rápido pode mudar. MySpace, Orkut, Friendster, StumbleUpon, Google+; nomes que ficaram para trás e hoje é como se nunca tivessem existido. O que nos traz ao Twitter: será que ele está fadado a seguir o mesmo caminho?

Quando Elon Musk comprou o Twitter e começou a fazer mudanças, não faltaram profetas do colapso. A demissão em massa de funcionários faria com que serviços essenciais começassem a falhar e em breve o site sairia do ar. Era questão de dias.

O chefe executivo do Twitter, Elon Musk, em evento sobre startups e inovação em Paris; CEO faz mudanças na plataforma para torná-la lucrativa
O chefe executivo do Twitter, Elon Musk, em evento sobre startups e inovação em Paris; CEO faz mudanças na plataforma para torná-la lucrativa - Joel Saget - 16.jun.23/AFP

Meses se passaram e nada disso aconteceu, o que nos leva a suspeitar duas coisas: 1) que o número inflado de funcionários da empresa deficitária talvez não fosse tão necessário assim. 2) Que as profecias de colapso iminente feitas agora que Musk implementou novas mudanças (limitou a quantidade de tweets diários que podemos ler) também devem ser exageradas.

O Twitter é uma rede social com mais influência do que usuários. Ele concentra políticos, artistas e jornalistas, por isso muito do que acontece nele repercute na mídia, embora em número de usuários esteja muito atrás dos pesos pesados YouTube, Instagram, Facebook e TikTok.

E diferentemente de suas rivais, a experiência de usuário que ele oferece não é das mais agradáveis. Se você já ousou postar alguma coisa nele, sabe do que eu estou falando. Não se deve esperar ali a menor gota de boa-fé, ou de leitura caritativa, de quem quer que seja.

Como o segredo do sucesso nessa rede é provocar a indignação coletiva, tudo que pode ser interpretado de modo a soar pior do que seu autor desejava será com toda a certeza interpretado dessa maneira.

O resultado é uma torrente ininterrupta de deboche, ofensas, xingamentos e até baixaria, muitas vezes de gente bem formada. Muitas vezes, não dá nem para saber se estamos discutindo com um ser humano real ou com um perfil falso criado só para inflar o apoio a alguma bandeira, movimento ou personalidade.


E, curiosamente, é nesse clima tóxico que interagimos com jornalistas, políticos e artistas, conseguindo deles informações em primeira mão. Donald Trump, como se sabe, fez do Twitter seu meio preferencial de comunicação.

Esse palco aberto a todos, que privilegia os mais histriônicos e indignados, é também o espaço de interação direta mais horizontal da internet. Do presidente ao cientista ao desempregado, todos estão batendo boca no mesmo nível.

Uma coisa não deve ser independente da outra. É a extrema horizontalidade somada ao imediatismo que convidam ao abandono dos padrões de sociabilidade. No Twitter, entendemos um pouco da humanidade em estado puro. Sem os freios e riscos da convivência face a face, sem uma cultura em comum que dite o lugar de cada um, e com a necessidade de chamar atenção da forma mais imediata possível, o desejo de glória individual e de vitória do próprio grupo contra os inimigos se fundem numa alquimia poderosa.

Ganha quem ofender melhor os membros da outra tribo para o aplauso dos seus. Se faltarem inimigos do lado de fora, não é problema: certamente entre os nossos há traidores e moderados a serem expostos e oferecidos à sanha moralista da turba.

Se Musk falhar no desafio de tornar essa cracolândia digital num negócio sustentável, será o fim de um palco importante do debate público atual. O contato direto —puramente horizontal— de todos com todos terá chegado ao fim. Nossa saúde mental agradecerá, mas nossas aspirações democráticas morrerão um pouquinho também.

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