Jorge Coli

Professor de história da arte na Unicamp, autor de “O Corpo da Liberdade”.

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Jorge Coli

Boulos é voz bem diferente dos candidatos treinados

Tenho a sensação de ouvir um futuro grande político nas entrevistas do candidato do PSOL

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Há a política e há os políticos. Há as ideias, as convicções, os objetivos e há as mulheres e os homens que se encargam de levá-los adiante. O tropeço está aí, porque não há política que dispense os políticos.

Temos que contar com as qualidades e os defeitos de cada um deles, com suas paixões, interesses e ambições mais ou menos elevadas. Portanto, ao se concretizarem, os princípios abstratos são obrigados a se encarnarem, no sentido mais preciso da palavra.

Se o eleitor faz uma escolha refletida, dá seu voto àqueles que mais se aproximam de suas opiniões. Isso é raro, porque cada um de nós é também levado por emoções, por interesses particulares, por identificação emocional com candidatos.

Teste e lacração de urnas eletrônicos no TRE-DF - Pedro Ladeira - 19.set.18/Folhapress

O velho Silveira Sampaio disse uma vez que Jango havia sido eleito à Vice-Presidência (então, havia no Brasil eleições independentes para vice) graças a um jingle de rádio. Um exagero, mas é verdade que aquela musiquinha era uma delícia e havia tomado o país inteiro. Todo o mundo a cantava: “Na hora de votar eu vou jangar...”.

Os políticos são obrigados a entrar no espetáculo da sedução e para isso se servem de marqueteiros. Desfiam promessas mirabolantes —que, no melhor dos casos, serão apenas parcialmente cumpridas—, seduzem com retóricas de vendedor de carro usado, posam como moralistas ou tomam ares inspirados de guru: tudo vale para conquistar o voto, o seu voto, o nosso voto.

Essas fórmulas se gastam, porém. É reconfortante quando surge um candidato falando com a dicção da sinceridade. Mesmo que essa sinceridade nunca seja total. Madame de Pompadour, amante oficial do rei Luís 15 da França e que sabia das coisas, dizia que o principal segredo da política consiste em mentir no momento certo.

O político não pode ter a moral do cidadão comum: é vigiado e atacado por todos os lados, e a ele é proibido o luxo da franqueza e da sinceridade. Não deveria mentir, mas desenvolver a arte de chegar nos limites da verdade sem atravessá-los. A maioria atravessa sem o menor escrúpulo; o grande político sabe onde parar.

Tenho a sensação de ouvir um futuro grande político nas diversas entrevistas dadas por Guilherme Boulos. Uma voz bem diferente dos candidatos treinados em suas manhas. O sotaque paulista, meio pesadão; o jeito de rapaz contido, mas firme nos seus propósitos; a clareza, sem dribles, das respostas que dá, mesmo a perguntas hostis; a evidência do conhecimento que demonstra diante de todas as questões (talvez um pouco menos na área da cultura, mas ok, ninguém é perfeito) fazem sentir segurança e competência.

Não sou, nem nunca fui, homem de partidos. Sou incapaz de abdicar de minhas convicções em nome de uma decisão com a qual não estou de acordo. Os partidos, de direita ou de esquerda, exigem a fidelidade da crença; têm dentro deles suas seitas e podem mesmo se transformar em seitas. Todos os gurus me horripilam, e não faço de Boulos um deles. Se Boulos me seduz, é porque ele parece pôr tudo no plano do debate e da racionalidade.

“Ah, mas ele é comunista!”, gritam os “desperados” a cavalo em seus ódios absurdos. Será que essas pessoas não perceberam que o comunismo acabou faz tempo no mundo?

“Ah é? E Cuba? E a Venezuela? E a Coreia do Norte?”

É preciso entender que esses exemplos residuais de regimes autoritários só existem porque são apoiados pelos respectivos exércitos. Alguém vê isso acontecendo no Brasil?

Por sinal, os ricos têm todo o interesse em que a cidade fique saneada de seus males. Como já fez sua vice, Erundina, é essa a política que Boulos propõe: investir no combate à pobreza, único meio de se conseguir não apenas uma sociedade equilibrada, mas uma cidade em que todos —incluindo os ricos— possam viver bem.

Não pense na Coreia do Norte. O modelito é outro: é o das cidades nos países que desenvolveram sérias políticas sociais no mundo. Pense no Canadá, na Escandinávia, na Espanha, em Portugal, por exemplo. Pense na França, que elegeu, não faz muito, dois presidentes socialistas e nem por isso teve golpe ou coisa que o valha.

É impossível prever resultados de eleições. Por essa razão, a política também é feita de insistências. Boulos não teve ocasião, nas presidenciais de 2018, tão extremadas, de revelar-se, como agora, o líder que pode vir a ser. Nestas municipais, o panorama é diferente.

No pior dos casos, eleito ou não, no segundo turno ou não, Boulos se confirma como uma liderança promissora das forças progressistas. Uma luzinha acesa nas trevas brutas.

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