Tantos políticos mentem, não é preciso repetir. Derrapam em suas declarações; fazem autoelogios desmedidos, engrandecendo os próprios feitos; usam o que os franceses chamam de “langue de bois” —língua de madeira—, fala enrolada que embrulha o ouvinte sem responder nada.
Quando acuados, empregam palavras altissonantes: “honra impoluta”, “dignidade ultrajada”, “trajetória ilibada”. Ou dão desculpas descaradas: faz parte do lamentável folclore político brasileiro o cinismo daquele chefe dos “anões do Orçamento”, deputado João Alves de Almeida que, à volta de 1990, justificava a enorme fortuna acumulada por ser um homem de muita sorte, abençoado por Deus, jurando que ganhara dezenas de vezes na loteria...
São modos do jogo político, das estratégias destinadas a convencer, a conquistar adesões ou a se proteger. Mesmo o político mais digno não pode revelar tudo, o que já é uma forma de mentira.
O capitão Cloroquina, porém, ultrapassa todos os limites. Porque as suas mentiras, apoiadas na autoridade presidencial que lhe empresta grande influência, induzem diretamente à morte de milhares, de centenas de milhares. Ele emprega o desplante da “qualquer mentira pega” e com isso provoca o assassinato em massa.
A Folha publicou uma checagem da Agência Lupa feita sobre declarações do capitão Genocida. São mentiras graves. Ele diz que mesmo a “desacreditada” (para quem, cara-pálida?) OMS (Organização Mundial da Saúde) afirma que o “lockdown não serve para a pandemia”, que fez uma coleção de atestados de óbito nos quais “morte por Covid” vem falsificada, que os governadores e prefeitos ultrapassaram o governo federal no combate à epidemia por culpa do STF e que, enfim, o Japão não teve “fique em casa”. Tudo falso.
Faz isso para atender ao apelo, compreensível, daqueles cujos negócios foram afetados pela pandemia e que precisam sobreviver. Nas grandes catástrofes, nas grandes emergências, é papel do Estado socorrer, com subsídios, apoios financeiros de todos os tipos, aqueles que necessitam. O Estado bolsonarista abandona quem precisa, do mesmo modo que abandonou qualquer plano para combater o coronavírus.
Espanta o fato de que essas declarações deslavadas funcionem e que haja um número mais que relevante de pessoas apoiando ainda o rinoceronte enlouquecido. Basta um pouco de sensatez, de racionalidade para perceber o desvario que está na Presidência.
É justamente esse pouco que faz falta. A eficácia do mecanismo bolsonarista faz mover o irracionalismo que se infiltra nas relações humanas, pervertendo-as e levando às piores consequências. O senhor do caos é uma das formas demoníacas, que manipula pela inverdade e pelas paixões desordenadas. Porque as mentiras interagem com a demência coletiva, alimentando-a.
Assim, não conta a verdade nem o trabalho jornalístico rigoroso, que demonstra as falsidades pronunciadas. Pois não é a verdade que está em questão, mas o ruído das ilusões homicidas vindo do alto e que é repercutido, sem descanso, nas redes sociais. Não importa o verdadeiro. Importa o que eu acredito e que conforta as minhas convicções.
Vem, com isso, a sensação triste de que qualquer análise, qualquer denúncia, qualquer insulto, tudo o que se fizer de ataque escorre na couraça do irracional sem penetrá-la. Não adianta esfregar a verdade nas fuças. Por consequência, é triste saber que o jornalismo exemplar, a análise rigorosa, a evidência mais clara só impressionam aqueles que já estão dentro de uma “bolha”, como se diz hoje. A bolha do bom senso.
Encontramo-nos num pico da pandemia e, de modo responsável, muitos prefeitos e governadores tomaram medidas mais rigorosas para conter a circulação ou agrupamento de pessoas. Esse pico, porém, que está provocando situações tão dramáticas em hospitais hipersaturados de pacientes em estado calamitoso, é consequência da imprudência atabalhoada que não leva a sério a contaminação. O próprio capitão Homicida, com seus atestados de óbito e suas mentiras, garante que o vírus não é assim tão grave.
Hoje, enfrentamos as consequências das festas de fim de ano, do Carnaval, das baladas e cassinos clandestinos. O tempo do vírus não é o da imediatez humana. Deve-se preparar antes, quando as coisas parecem estar melhorando um pouco. Seu andamento exige reflexão para determinar estratégias. Mas reflexão, estratégia que não seja maligna é tudo o que nos falta. A força caótica do bolsonarismo comanda, e por isso fomos atirados na vertigem do caos.
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