José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Soneto e o contrário do soneto

Em semana de erros, Folha emenda reportagem contra o governo João Doria

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Não foi boa para a Folha a semana que passou. Uma resposta desmedida e uma omissão grave, com reação tardia, marcaram o desempenho do jornal, entre outras faltas.

Na segunda-feira (13), reportagem publicada no fim da tarde dava conta de que o investimento em saúde no estado de São Paulo caiu 23% nos dois primeiros anos da administração João Doria. A conta não inclui gastos fixos, como salários e custeio. Ouvida para o outro lado, a gestão tucana afirmou que a oferta de serviços aumentou, nem sempre por meio de investimento, e que a pandemia elevou outros tipos de gasto que seriam revertidos depois à população.

O jornal considerou a matéria importante, tanto que a alçou à manchete do impresso no dia seguinte. Antes disso, porém, a assessoria de imprensa da secretaria de Saúde enviou uma carta à editoria, com cópia para o ombudsman. "A Folha de S.Paulo erra em diversos pontos...", começa assim a missiva, que, contudo, não consegue apontar um único erro factual na reportagem.

Na manhã de terça, a reportagem recebeu uma emenda. Um parágrafo, sobre a secretaria ter enviado nota, e a íntegra da mesma na sequência: mais de 4.000 caracteres, algo como a metade da reportagem original, desdizendo quase tudo que o jornal havia escrito nos parágrafos anteriores.

Sem edição, o texto agora é composto pela reportagem, pelo outro lado e por uma crítica feroz à reportagem, que consome espaço equivalente ao de oito mensagens, no máximo tamanho permitido, do Painel do Leitor, por exemplo. Não sendo isso suficiente, na edição de quarta um artigo do secretário Jean Gorinchteyn foi publicado em Tendências / Debates. De oito parágrafos, quatro praticamente repetem períodos da carta apensada.

Ilustração Carvall para coluna ombudsman publicada no dia 19 de setembro de 2021.Nela um homem anda sobre as letras da palavra folha
Carvall

Em geral, a Folha corrige seus equívocos na seção Erramos. É um dos poucos jornais no mundo com espaço fixo e visível para correções. Erros graves às vezes provocam a edição de um novo texto. No caso em tela, nada disso foi acionado, o que leva à óbvia conclusão de que não há reparos no noticiado. Agora, se havia motivos para a publicação dobrada dos argumentos do governo, a reportagem deveria ter sido de alguma forma retificada.

Pior, a inusitada deferência abre precedente para outros queixosos. Se não abre, é porque foi apenas deferência.

As duas alternativas são ruins para o jornal.

Na quinta-feira (16), a Globonews exibiu pela manhã reportagem sobre a Prevent Senior. Dossiê em posse da CPI da Covid afirma que o plano de saúde voltado para idosos usou pacientes como cobaias em pesquisa sobre hidroxicloroquina e omitiu sete óbitos, entre outros detalhes escabrosos. Nas 24 horas seguintes, foi assunto na maioria dos sites, canais de TV e redes sociais. Menos na Folha, que só acordou para o fato às 10h27 de sexta.

A história é muito forte. Na falta de apuração própria, o jornalismo em casos assim indica a reprodução da informação alheia, com os devidos créditos e ponderações. Atrasar tanto uma notícia que afeta público que consome jornal não era uma alternativa.

Foice ou faca?

A Folha conseguiu apanhar de quase todos os lados nos últimos dias. Nova pesquisa Datafolha, que detecta reprovação recorde de Jair Bolsonaro, foi recebida com ironia e desprezo pelas franjas da direita, as extremas e as nem tanto. Quem acompanhou minimamente as redes sociais deve ter se deparado com citações ao "Datafoice" e confrontação dos números com imagens de aglomerados no 7 de Setembro golpista. A data serviu para dar uma fotografia ao presidente, como ele repetiu várias vezes, do que foi sem nem ter sido.

À esquerda, o jornal foi imolado por publicar reportagem crítica ao documentário "Bolsonaro e Adélio, uma Fakeada no Coração do Brasil", lançado pelo site Brasil 247, alinhado ao PT, com mais de 1 milhão de visualizações no YouTube. O filme é um compêndio de teorias e argumentos sobre o atentado de 2018 em Juiz de Fora ter sido forjado pelo então candidato à Presidência.

Não entro aqui no mérito da questão, apesar de pessoalmente achar impossível combinar silêncio ou versões com dezenas, talvez centenas de pessoas. O filme está aí para suscitar a discussão, e leitores cobram da Folha e da imprensa em geral novas investigações sobre o episódio. Não haveria disposição da mídia para entrar no assunto. Acho que não há mesmo, mas por questões práticas, não ideológicas.

Outra queixa é sobre o tom da reportagem, a começar pelo título, que fala em "tese fantasiosa". O texto sustenta com fatos que ela é fantasiosa, não dá para ver problema aí. Em alguns trechos, no entanto, é possível notar empolgação com o sublinhar de aspectos óbvios não contemplados pelo diretor. Teria sido apropriado fazer uma redação mais neutra.

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