José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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C@sa de f#rr#iro, espeto de pau

Bastião da liberdade de expressão, Folha apanha ao moderar comentários

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"Quais palavras em minha resposta indicam que a mensagem não pode ser publicada automaticamente e exigem moderação?" A pergunta ao ombudsman é frequente. No caso, o leitor reclama ao ver barrada resposta sua a comentário feito por outro assinante em uma coluna publicada na sexta-feira (11). Não havia nada de errado na réplica, apenas considerações polidas sobre se o segundo, dono do comentário original, conhecia autores que o primeiro listava sobre o assunto em discussão. Por que então a observação caiu na moderação?

Antes de responder, vale uma explicação mínima sobre o sistema de comentários da Folha, desenhado para dar mais luz aos debates naturalmente propostos por reportagens e artigos do jornal, mas que também escoa em subterrâneos escuros, como os das redes sociais. A ferramenta democrática segue o espírito do jornal de manter um diálogo aberto com seus leitores, algo que, no impresso, é simbolizado há décadas pelo Painel do Leitor.

No site, a maioria dos títulos publicados permite comentários e respostas a estes. É preciso ser assinante do jornal e aceitar as regras, que pedem o básico da civilidade, como "utilizar termos aceitáveis socialmente". Há uma lista de procedimentos proibidos, e as sanções vão da exclusão do comentário à do próprio usuário, se houver reincidência nas faltas. Cadastro feito, basta apertar os botões existentes no início ou no fim de cada texto para deixar uma opinião.

A moderação é automática, baseada em duas listas de palavras e expressões consideradas problemáticas pelo jornal. Se a máquina identifica algo da primeira lista, o comentário vai para a moderação manual. Se for algo da segunda, que reúne termos mais graves, o comentário é reprovado de chofre. O conteúdo das listas é sigiloso, para evitar manipulação, mas dá para imaginar o tipo de coisa que é sumariamente proibida.

São milhares de postagens. Em janeiro deste ano, por exemplo, 35.313 comentários foram aprovados automaticamente, 7.950, manualmente, e 1.945, reprovados. O sistema registrou também 18.981 respostas a comentários sem que houvesse impedimento, 3.513 que precisaram de aprovação manual e 1.007 eliminadas. Somando tudo, quase 70.000 mensagens em um mês, com média diária de 370 aprovações em segunda instância e 95 recusas. Muito trabalho e, por consequência, problemas, como o do primeiro parágrafo.

A imagem é composta por uma série de balões de fala coloridos entrelaçados que dão a sensação de confusão.
Carvall

Parece claro que a máquina exagerou na moderação, empurrando a análise para a seleção manual, que, obviamente, é mais demorada. "Levamos meses aprimorando o sistema para coibir um pedido de esmola digital que estava recorrente", afirma Mateus Camillo, editor de Interação e Redes Sociais da Folha. Um usuário burlava os controles para pedir dinheiro via Pix, vigarice que afetou também pelo menos outros dois veículos de comunicação. "Deu muito trabalho, mas nos livramos dele. O problema é que esse esforço gerou o efeito colateral de aumentar o número de comentários que caem sem motivo na moderação manual. Temos que ir recalibrando", explica.

Essa é a questão atual, mas outras tantas já acometeram o processo, que demanda atualização permanente e afeta, na visão dos leitores, um ponto nevrálgico da Folha, a liberdade de expressão. Uma legião de leitores acredita, por exemplo, que o nome Lula foi proibido durante um determinado período nos comentários do site. Outros acham que as regras são desenhadas para favorecer este ou aquele candidato ou ideia. Há quem reaja com humor, como o leitor que compara o sistema ao lento VAR do futebol brasileiro, mas vários se sentem censurados.

Entre tantas elaborações, uma das mais interessantes é a que constata um jornal aberto a opiniões extremadas em nome da pluralidade, a despeito de significarem afronta a parte importante de seus leitores, e, ao mesmo tempo, intolerante com os que se inflamam nos comentários.

"A ideia é melhorar o nível do debate, mas confesso que, às vezes, me sinto como o professor da quinta série tentando parar a briga dos alunos", brinca Camillo. Em um mundo virado de cabeça para baixo, onde até censor processa rede social pela falta de moderação de postagens que defendem a morte de pessoas, a tarefa não parece nada fácil.

P.S.: Para quem não entendeu, o título da coluna é uma tentativa tosca de emular algumas das táticas usadas para burlar regras de moderação vistas em comentários no site da Folha. Asteriscos, espaços e outros sinais gráficos são adotados para driblar o computador, o que, não raro, deixa os comentários quase ilegíveis. Lembram, de certa forma, as pichações, entendidas só pelas tribos de seus autores. Talvez a ideia seja a mesma.

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