José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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O primeiro golpe de Bolsonaro

No 7/9, mídia cede muito espaço para o candidato que finge ser presidente

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Quarta-feira, 7 de setembro. O presidente Jair Bolsonaro deu um golpe, mas não aquele que todo mundo temia. Do início da manhã à noite, seu nome, sua imagem, seus argumentos e preconceitos e até sua capacidade sexual dominaram as redes sociais e as conversas no país. Foi a maior exposição que conseguiu em muito tempo, em pleno período eleitoral, ao arrepio da legislação e do equilíbrio exigido da mídia profissional. Algum veículo está preparado para compensar os rivais com 12 horas de atenção?

Na GloboNews, Fernando Gabeira não se conteve e fez uma autocrítica que serve a toda a categoria: "Cobrir exaustivamente a fala de Bolsonaro como candidato só é razoável se nós cobrirmos exaustivamente também a fala dos outros. Porque quem falou foi o candidato. Ele falou algumas barbaridades exatamente para nós comentarmos". A receita é conhecida, Bolsonaro choca para manter microfones e câmeras nele. Seus anos de baixo clero e os últimos como presidente não foram suficientes para a imprensa aprender como escapar dessa arapuca. Eliane Cantanhêde em O Estado de S.Paulo e Reinaldo Azevedo na Folha, entre outros, ressaltaram a relativa facilidade com que a mídia se deixou sequestrar nesta última semana. Leitores, em mensagens ao ombudsman, foram além, questionando até se não havia uma espécie de síndrome de Estocolmo em curso.

Não é um problema novo nem uma jaboticaba. Donald Trump é modelo acabado para autocratas no mundo inteiro. A última capa da revista The Economist, com a sombra de Bolsonaro delineada como se fosse o americano, ilustra bem o fato. Não há solução à vista, o jornalismo navega em águas desconhecidas. O que existe, por enquanto, é mitigação: checar fatos, expor mentiras e dizer tudo de novo, por mais cansativo que pareça. E não baixar a guarda, é óbvio.

Se restou generalizada a falta por não apresentar alternativas à cobertura incondicional do candidato que finge ser presidente, a Folha cometeu alguns pecados particulares. O principal foi demonstrar certa soberba ao não evidenciar o ataque explícito às pesquisas eleitorais. Bolsonaro trocou as urnas eletrônicas pelos institutos de pesquisa. O único nome relacionado à mídia nos discursos de Brasília e do Rio foi o do Datafolha. No início da noite, a manchete do UOL era precisa: "Bolsonaro sequestra bicentenário, pede votos e ataca Lula e pesquisas". O golpismo não se escondeu, apenas mudou de instância.

Contrapor levantamentos sérios com a lenda do "datapovo" é preparar terreno para contestação do resultado. Começa em forma de piada, tática comum da extrema direita, como Carlos Bolsonaro dizer no Twitter que o instituto só vê girassóis na foto da Esplanada cheia de gente. Termina em confusão. O que estaria acontecendo agora se o Datafolha não tivesse aferido que o presidente oscilou dois pontos na pesquisa de sexta-feira (9)? O que acontecerá se o Ipec, na segunda-feira (12), mostrar que era fogo de palha? O que será do país se na boca do primeiro turno pesquisas indicarem que o voto útil liquida a fatura?

Ilustração mostra uma silhueta de um homem montado a cavalo. O animal está com a cabea baixa, como se estivesse comendo algo. No chão, vários símbolos de positivo, como os do Facebook aparecem em tons de azul
Carvall

Como escreveu The Economist em editorial, Bolsonaro, por princípio, não é um defensor da democracia. O presidente finge ser candidato. Partir dessa premissa ajudaria a driblar as armadilhas.

É com X ou com CH?

O Brasil completou 200 anos de Independência apenas para ver seu presidente repetir que é "imbrochável". Depois de terem tido enorme trabalho para traduzir "tchutchuca do centrão", correspondentes internacionais desta vez puderam ir direto ao ponto. A Folha cravou machismo em sua manchete. Lembrou também dos tantos episódios de misoginia do mandatário. Quase ninguém se lembrou do "aquilo roxo" de Fernando Collor. Ou se deu ao trabalho de tentar entender a obtusa lógica de Bolsonaro. Muitos projetaram danos nas intenções de voto. Não se confirmou, diz o último Datafolha. O voto feminino continua como antes, escasso. O evangélico segue em ascensão.

Bolsonaro falou de princesas e que os homens solteiros deveriam achar as suas para serem felizes como ele, que tem a primeira-dama incomparável, "mulher de Deus, família e ativa". Ao seu lado, a primeira-princesa mostrou o rosto para a multidão e sorriu. Disse amém após frases nada religiosas do marido, dias depois da nora ter sublinhado as virtudes da mulher que é submissa. Folha e boa parte dos jornais partiram para cima do conhecido Bolsonaro grosseiro, sexista e cheio de recalques. Essa é a parte fácil.

A difícil é encarar a nova chance de explorar o endereço evidente da pregação, a massa evangélica de muitas formas, em sua maioria distante da grande mídia. A que integra um "Brasil novo", como bem descrito por Vinicius Torres Freire, formada enquanto elites de Rio e São Paulo fantasiavam outro país.

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