José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Big techs, big problem

Redes sociais precisam de mais regras, mostram a história e este país dividido

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No meio da pandemia, em 2021, o "surgeon general" dos EUA, Vivek Murthy, que vocaliza as questões de saúde pública do país na esfera federal, alertou que a desinformação estava provocando doenças e mortes desnecessárias e pediu transparência e responsabilidade para as chamadas big techs. Dias depois, segundo relato do jornal The New York Times, Nick Clegg, então vice-presidente de assuntos globais do Facebook, respondeu ao integrante do governo Joe Biden em mensagem privada: "Não é muito bom ser acusado de matar pessoas".

Facebook hoje é Meta, e Clegg, presidente do departamento. O momento agudo da pandemia passou, a doença da desinformação piorou. A despeito do que possa pensar o executivo recrutado no mais alto grau do serviço público britânico, ela continua matando gente e complicando democracias pelo planeta.

A celeuma em torno de uma nova regulação para as redes sociais campeia na Folha desde a conferência da Unesco, há duas semanas, em que o Brasil foi ator importante devido à carta enviada por Luiz Inácio Lula da Silva, o 8 de Janeiro e o uso intensivo, em larga escala, de ferramentas tecnológicas ainda não totalmente testadas. Sim, essa coisa que temos em mãos e revoluciona nossa existência em diversos aspectos, é um experimento social em curso, sem precedentes, com graves e complexos efeitos adversos.

O jornalismo pode virar vítima, alerta acertadamente este jornal em editorial. A criação de comitês para arbitrar conteúdos, uma das tantas ideias em debate, pode descambar facilmente em censura. A última coluna de Wilson Gomes aponta para outro complicador, a quantidade de atores dentro do governo Lula se metendo na discussão.

Ao mesmo tempo, é imperativo submeter as empresas a mais regramento. Na Suprema Corte americana, o Google se defende da acusação de ter impulsionado vídeos que aliciaram extremistas para os ataques de 2015 em Paris. É processado por um casal, os Gonzales, que perderam a filha na boate Bataclan. Ainda que a transmissão desse tipo de conteúdo possa ser entendida como liberdade de expressão, o algoritmo ter trabalhado para espalhá-la ainda mais e monetizá-la não significa nada?

Ilustração de Carvall mostra duas fileiras de ícones de redes sociais, uma acima da outra. A primeira traz Dacebook, Twitter, LinkedIn, Pinterest. Na linha de baixo, um crânio de caveira, WhatsApp, Instagram e o símbolo de compartilhamento
Carvall

Como a Folha, há quem veja uma saída na quebra de monopólio e de tamanho das gigantes de tecnologia. Seria uma solução parecida com a dissolução da Standard Oil, em 1911, a maior companhia de seu tempo, desmembrada em dezenas de firmas menores. É detalhe que, meio século depois, sete delas estivessem mandando no mundo, com reflexos até hoje.

Talvez a analogia mereça ser outra. A indústria automobilística, desde os primeiros modelos, pela natural falta de habilidade de usuários e tecnologia, deixou vítimas na mesma proporção em que aumentava o número de carros nas ruas. A coisa só melhorou com regras de equipamentos e aprimoramento de leis e estrutura de trânsito. Boa parte por exigência da sociedade, que se defendeu via governo ou processos judiciais. Assim foi com o dieselgate, que marca o início do atual período de decadência do setor, sobrepujado justamente pelas empresas de tecnologia. É a vez delas.

Infelizmente

"Comandante disse que vitória de Lula foi indesejada no Exército e infelizmente ocorreu." O título da Folha reproduz textualmente expressões usadas pelo general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva em conversa com subordinados vazada sabe-se lá por quem. "Indesejada" e "infelizmente" também compõem o lide da reportagem.

O problema, notaram leitores, é que o comandante do Exército não falou apenas isso. Declarou também que o resultado da eleição precisava ser acatado, que as mesmas urnas tinham escolhido governadores e um Congresso conservador, que as Forças constataram que não houve fraude e que, se eles, fardados, vivem em uma bolha de direita, era importante reconhecer que "existe outra bolha, e ela não é pequena". Uma leitora percebeu apelativo o enunciado do jornal, dado que o discurso do militar era uma clara tentativa de acalmar os ânimos.

Também viu assim o editorial "Uma boa definição de coragem", de O Estado de S.Paulo, publicado na quinta-feira (2). O enunciado faz alusão a outra frase de Tomás Paiva, "coragem é se manter como instituição de Estado", e o texto classifica a explanação como "profundamente democrática". Há também uma estocada em quem tirou as declarações do contexto para "fazer parecer" que havia uma resistência pessoal do militar a Lula. A carapuça cabe na Folha, por óbvio.

Concorrência de lado, o jornal deveria ter sopesado em seu título o lamento do comandante e a importante defesa que ele fez das eleições, deixando a edição da notícia mais informativa e equilibrada. O país já tem confusão suficiente, não precisa de mais uma.

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