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O que a Folha pensa ataque à democracia

O perigo do arbítrio

Cabe à Justiça decidir o que é ilegal nas redes; mais regulação rumará à censura

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Logomarca da rede social Twitter na fachada do prédio da empresa, em São Francisco (EUA) - Carlos Barria/Reuters

Há sólido acúmulo de experiência histórica a desrecomendar que regimes democráticos restrinjam a expressão dos cidadãos. O alerta é útil quando o Brasil discute regular conteúdos dos meios digitais.

Sob a virtuosa intenção de prevenir a repetição do vandalismo golpista de 8 de janeiro, autoridades propugnam pelo endurecimento das regras da internet. A ideia, a ser esmiuçada em proposta legislativa, é induzir as empresas proprietárias a removerem conteúdo ilegal a despeito de ordem judicial.

Nesse ponto começam as dificuldades, que transformam a tarefa de tentar banir as incitações subversivas dentro dos marcos democráticos em algo próximo de uma aporia, um problema sem solução.

Nesses regimes, cabe só à Justiça decidir o que é ilegal, percorridos o devido processo e o amplo contraditório. Cidadãos e organizações privadas, em matéria discursiva, podem no máximo ter suas interpretações particulares, sujeitas a variação e controvérsia legítima, sobre o que viola as normas.

A fim de contornar essa barreira, os legisladores poderão cogitar a criação de comitês administrativos para arbitrar o conteúdo veiculado pelas plataformas. Abririam, nessa hipótese, uma porteira para intromissões abusivas e censoras no direito à expressão.

Por isso a melhor fórmula que as sociedades abertas encontraram para o dilema de discernir entre liberdade de exprimir-se, de um lado, e o discurso de incitação ao crime, do outro, é punir aqueles casos em que o autor tem condições de dar causa ao dano que promove.

Não se concebe, nesse modelo, facultar a um órgão do Executivo decidir o que deveria sair do ar. É preciso que os argumentos das partes tramitem no processo judicial regular. Previne-se a repetição desses crimes pela aplicação da pena aos delinquentes, não pela censura.

Muito mais efetivo do que qualquer tentativa de regular o que se diz nas redes será as autoridades investigativas e de persecução penal chegarem aos mandantes da depredação de 8 de janeiro. Já passa da hora de dar fim a prisões preventivas que carecem de justificativa e processar os envolvidos.

Seria de todo modo inútil proibir a circulação de ideias estúpidas, porque elas encontrariam escaninhos alternativos para se disseminar. É melhor deixar que a luz do Sol e o debate público as estiolem.

Perde-se, ademais, o foco do que faz sentido regulamentar. No caso das redes digitais, fica em segundo plano a grande distorção assentada no poder desproporcional de mercado das chamadas big techs.

A legitimidade que o Estado não tem para intrometer-se na expressão dos cidadãos ele a tem assegurada para defender os pilares da concorrência na economia.

editoriais@grupofolha.com

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