José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

José Henrique Mariante
Descrição de chapéu jornalismo mídia

A era dos emojis de Elon Musk

Bilionário desfigura o Twitter e ajuda a empurrar o planeta para a quinta série

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

"Eu não tenho página no Facebook. Eu não uso minha conta no Twitter. Tenho familiaridade com ambos, mas não os uso." Em julho de 2010, em reportagem no dominical The Observer, um Elon Musk bem diferente do atual era apresentado como uma espécie de sonhador que, até aquele ponto, conseguira transformar quase todos os seus planos em realidade, inclusive construir um foguete próprio. Seu Tesla era descrito como um esportivo de luxo exótico no estacionamento da Space-X, e o empresário, como fonte de inspiração para o personagem playboy cientista Tony Stark, da franquia da Marvel "Homem de Ferro".

Musk continua muito atarefado nos dias atuais, mas encontrou tempo para se dedicar à nobre arte de defender a liberdade de expressão ou a concepção que tem sobre ela. O tipo que queria ser "mais extrovertido" em 2010 não apenas aprendeu a usar o Twitter, como resolveu comprá-lo em 2022. Seis meses e muitas polêmicas depois, a rede social não lembra em nada um foguete. Está mais para chabu, com perda maciça de funcionários, anunciantes e prestígio. Veículos de imprensa nos EUA já abrem mão da rede.

Entre as sandices que implementou no novo negócio está a prática de responder a solicitações de jornalistas com um emoji de cocô. Musk quer acreditar que sua rede social não se submete ao escrutínio público. A gracinha, na vida real, não funciona. Uma advogada da empresa levou uma invertida do ministro Flávio Dino, na semana passada, depois de dizer que o Twitter não derrubaria perfis com ameaças de ataques a escolas. O resultado, como se sabe, foi o governo ameaçar multar, suspender e, no extremo, banir a mídia social que não colaborasse.

"Twitter apoia massacres" ganhou os trending topics até a lista ser aparentemente censurada, como mostrou o blog #Hashtag. Folha e rivais levaram um tempo para ligar os pontos entre o caso e a involução decretada por Musk na rede social. Basta o exercício de imaginar um Twitter assim deformado nas últimas eleições para notar como era importante estabelecer tal nexo.

Ilustração mostra águia azul com as asas abertas, pousada num círculo. Dentro dele, um emoji de cocô
Carvall

O empresário de ficção científica, que há 13 anos falava em salvar a humanidade com saídas para Marte, parece ter sido substituído por uma versão distópica, de ranço totalitário. Desprezar a imprensa é apenas o capítulo inicial de um roteiro bem conhecido.

MM

"... minha gravidez foi descoberta por um exame de sangue vazado e tudo o que faço é dessa forma... dá medo até de morrer pq as pessoas não respeitam nem esse momento e conhecemos casos parecidos..."

Quando o Twitter era Twitter, Marília Mendonça escreveu na rede sobre o dilema da privacidade. Um ano e meio após a sua morte, o problema continua, mostrou o noticiário na última semana. A família denunciou que fotos de sua autópsia vazaram na internet e fazia um apelo público pelo não compartilhamento.

No mundo infantil das redes sociais, pedir para não fazer alguma coisa é a senha. Na noite de quinta-feira (13), a notícia mais lida da Folha era um relato da época do acidente, de 2021, em que as palavras "corpo", "IML" e "Marília Mendonça" no título refletiam o que se procurava no Google naquele momento (alguns sites alertam para a idade de conteúdos antigos, medida de transparência que faz falta na Folha).

Uma reportagem daria conta da novela, mas o jornal não recusou a onda de audiência e publicou uma dezena de textos desde então, com poucas novidades. Sensacionalismo ou a nova dinâmica do jornalismo, tanto faz. O mundo é uma quinta série. Musk não está só.

PPP

No último domingo (9), a Folha escreveu em manchete que o apoio à privatização no país deu um salto e chegou a 38% da população. Leitores reclamaram do que viram como direcionamento do jornal, dado que a maioria, 45%, continua contrária à adoção do sistema.

Algo semelhante se deu com o Datafolha sobre a aprovação de Luiz Inácio Lula da Silva nos primeiros cem dias de governo. O jornal preferiu destacar a reprovação, semelhante à obtida por Jair Bolsonaro.

Que a Folha transformou o tema da privatização em prioridade, é inegável. Também é fato que o humor sobre o assunto mudou na opinião pública (eram 26% a favor e 66% contrários em setembro). A reportagem arrisca uma explicação, a de que a eleição esquentou o debate e que a privatização teria virado argumento bolsonarista contra o PT.

Discussão mais interessante sairia do único parâmetro em que o serviço privado perde feio na pesquisa: para 67%, ele é mais caro. Está na hora de ouvir quem paga a conta, não quem ganha a concorrência.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.