José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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A semana violenta da Folha

Noticiário pesa, e editorial que normaliza bolsonarismo agride os leitores

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Terça-feira (28), "Estudante de 13 anos mata professora a facadas em SP". Quarta-feira (29), "Covid mata 700 mil e vitima grupos mais vulneráveis". Não é toda semana que duas manchetes seguidas da Folha usam o mesmo verbo. Quem dera o problema fosse a falta de criatividade da Primeira Página.

O país é tão violento que fica difícil distinguir as várias ondas do problema. A memória sugeria que ataques em escolas estavam ficando frequentes, mas assusta saber que desde agosto do ano passado ocorrem mensalmente. A explosão de casos, afirmam especialistas, passa pelo isolamento da pandemia e o prolongado fechamento das escolas, mas também pela cooptação em redes sociais, jogos online, extremismo, misoginia e masculinidade tóxica. Mais de 700 mil morreram em decorrência do vírus, outros serão ceifados por esgarçamentos correlatos. Não é apenas o verbo que aproxima os noticiários.

No mesmo dia da tragédia da Vila Sônia, uma mulher de 28 anos invadiu sua antiga escola em Nashville, nos EUA, e abateu a tiros três crianças de 9 anos e três professoras. Carregava um rifle de assalto estilo AR15, semelhante ao HK que Jair Bolsonaro lamentou ter que devolver junto com as joias das arabias. HK é a marca alemã que deixou o mercado brasileiro em 2019 após pressão de acionistas; o produto da empresa, perceberam, estava sendo usado contra a própria população por um governo irresponsável. HK é o fuzil usado por um ex-PM para assassinar Marielle Franco. O garoto de 13 anos usou uma faca em São Paulo, mas tentou comprar uma arma pela internet. Como diria Elio Gaspari, ganha carteirinha de CAC quem não entendeu para o que serve o Estatuto do Desarmamento.

Será sempre difícil dissociar o bolsonarismo de sua atuação na pandemia, do atraso na vacinação, do descaso com a educação, do estrago ambiental, da violência armamentista, para ficar apenas em alguns pontos bem documentados de seu legado. A polarização política certamente piora a percepção. Daí a revolta de muitos leitores da Folha com o editorial "Bolsonaro de volta", publicado na noite de quinta-feira (30) no site e alterado na manhã seguinte junto com a publicação de um Erramos.

No texto, que trabalha hipóteses sobre o papel do ex-presidente daqui para frente, o último parágrafo traz a seguinte assunção: "O bolsonarismo até poderia, se abandonasse a violência e o autoritarismo, liderar uma oposição saudável ao PT. Esse não é, infelizmente, o desfecho mais provável".

Ilustração de uma amarelinha pintada em branco no chão azul escuro. Há plaquinhas amarelas numeradas de 1 a 5 espalhadas em diversos pontos da amarelinha. Na frente da cena, há uma faixa de interdição amarela e preta.
Carvall

O período já seria suficientemente polêmico, mas quis o acaso que um Erramos o magnificasse: "Por erro da Redação, foi publicada uma versão anterior deste editorial, com uma conclusão diferente da aprovada para a edição impressa". A "conclusão diferente", que as redes sociais salvaram e bombardearam de volta ao ombudsman, é a de que "o bolsonarismo pode dar vigor à política brasileira". Ou seja, a intenção inicial do redator, ainda mais controversa, fora refreada, nutrindo a ideia de que a Folha é antipetista ou, pelo visto, bolsonarista.

Há diferença considerável entre as duas pechas, basta voltar ao começo da semana ou desta coluna. Ou a agosto de 2022, quando a Folha ruidosamente denunciava as investidas do bolsonarismo contra a democracia, e a espiral de fúria em escolas silenciosamente começava. "Se abandonasse a violência e o autoritarismo" continuaria não sendo opção, gritam agora os leitores.

Imagens fortes

O país importa o conservadorismo americano, mas não o prurido de dispensar imagens violentas na mídia. Na segunda-feira (27), boa parte da imprensa nacional, incluindo a Folha, pôs no ar o ocorrido na escola da Vila Sônia. No meio da tarde, o jornal derrubou o vídeo sem dar explicações. Na TV Globo, a exposição foi sendo encurtada com o passar do dia. No fim, no Jornal Nacional, a ação acabou congelada momentos antes do ataque à professora. O narrador explicou que a violência proibia mostrar a continuação.

Nos dois veículos desperdiçou-se a oportunidade de explicar ao público que as cenas e até mesmo o noticiário em torno delas poderiam estimular novos eventos, conforme demonstram estudos.

O caso em Nashville, porém, produziu inflexão importante. Se a escrita inicial se manteve, sem imagens do ataque ou das vítimas, o dia seguinte foi marcado pela divulgação de seis minutos editados de captação das câmeras corporais de agentes que invadiram a escola e mataram a atiradora. Não é estratégia nova ou transparência, só reação a um debate originado em massacre anterior, quando surgiram acusações de leniência. A polícia, lá e aqui, pensa apenas em si quando fornece imagens.

The New York Times descreveu as cenas em texto, mas não as publicou. The Washington Post as exibiu. Lembram absurdamente um game, só que com uma vida perdida de verdade.

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