Governo pode multar em R$ 12 mi e pedir suspensão de rede social em caso de apologia de ataques

Bloqueio ainda dependeria de aprovação da Justiça e só poderia ser feito caso a plataforma não tome medidas para combater o problema

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Brasília

Novas regras publicadas pelo governo federal na noite desta quarta-feira (12) definem que redes sociais que não tomarem medidas para combater conteúdos que fazem apologia de violência e ameaças de ataques em escolas podem ter suas atividades suspensas no Brasil.

A solicitação para tirar a plataforma do ar seria feita à Justiça, que analisaria o pedido.

A portaria do Ministério da Justiça prevê ainda multas de até R$ 12 milhões para as empresas que não seguirem a nova regulamentação sobre o tema. Além disso, a Polícia Federal destacou um grupo de policiais para identificar e pedir a suspensão de perfis que produzem ou compartilham esse tipo de conteúdo.

As iniciativas foram tomadas após uma série de ataques em escolas pelo país. O governo vê nas redes sociais um terreno fértil para a proliferação desses eventos e quer obrigar as plataformas a tomarem medidas para prevenir a circulação de conteúdo violento.

Na PF, o trabalho conjunto entre as diretorias de Inteligência (DIP), Combate ao Crime Organizado (Dicor) e Crimes Cibernéticos (DCIBER) deve abrir investigações e colocar na rua operações para conter o número de ataques.

Nesta quarta-feira (12), por exemplo, a PF no Mato Grosso do Sul fez uma operação após descobrir indícios de ações que estariam sendo organizadas por um grupo de jovens. Os policiais identificaram os envolvidos, que alegaram se tratar de um trote e não de plano concreto.

Coroas de flores em homenagem a uma das crianças mortas em ataque a escola em Blumenau (SC) - Bruno Santos - 6.abr.23/Folhapress

O trabalho conjunto das diretorias também vai servir de base para apurações que devem ser conduzidas pelo setor de combate a crimes de ódio, que fica na Coordenadoria-Geral de Direitos Humanos da PF.

Duas redes têm preocupado os investigadores: o Twitter e o Telegram.

Envolvidos nas discussões relatam à Folha que, dentro do Ministério da Justiça, um pedido para suspensão do Twitter, como já ocorreu com o Telegram nas investigações de atos antidemocráticos, já é cogitado caso as plataformas não cumpram os pedidos da PF.

Em entrevista nesta quarta-feira (12), o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse que essa seria a última sanção caso as plataformas não cumpram as normas.

"Nós vamos notificar para tirar o conteúdo imediatamente, imediatamente mesmo, e vamos adotar o mesmo parâmetro do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] de duas horas. Não havendo o cumprimento, multa e até o limite da suspensão da atividade da empresa", disse.

Nós vamos notificar para tirar o conteúdo imediatamente, imediatamente mesmo, e vamos adotar o mesmo parâmetro do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] de 2 horas. Não havendo o cumprimento, multa e até o limite da suspensão da atividade da empresa

Flávio Dino

ministro da Justiça e Segurança Pública

A posição do Twitter causou mal-estar em uma reunião promovida pelo Ministério da Justiça nesta segunda-feira (10) com representantes das redes sociais. O caso foi noticiado pelo G1 e confirmado pela Folha.

A plataforma se negou inicialmente a tirar do ar conteúdo de perfis identificados pelo ministério que fazem apologia da violência nas escolas sob o argumento de que o termo de uso da plataforma permite a divulgação do material.

Na reunião com YouTube, Meta, Twitter, Kwai, TikTok, WhatsApp e Google, o governo pediu o combate de maneira mais eficiente dos perfis que fazem apologia da violência ou ameaça às escolas.

Nesta quarta-feira, houve nova reunião com o Twitter. No encontro, a plataforma disse que atendeu a todas as 546 solicitações da pasta e derrubou as contas que faziam apologia de violência e ameaças às escolas.

"Eles mostraram disposição de fazer a moderação de conteúdos que façam apologia a perfis criminosos, perpetradores de massacres. Mostraram as medidas que passaram a tomar, um protocolo de crise e uma abertura maior para essa comunicação e ação", disse Estela Aranha, coordenadora de Direito Digital do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Antes de o Twitter fazer esse recuo, o Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo cobrou da plataforma as medidas tomadas para moderar publicações que possam configurar incitação à violência e atentados em escolas.

Foi solicitado pelo MPF que a rede social informe, primeiro, quais perfis e conteúdos foram apontados pelo Ministério da Justiça como de necessária moderação, por conterem palavras-chave sobre ataques a escolas.

O Twitter também deverá listar quais desses conteúdos foram efetivamente moderados e o que fundamentou a decisão de eventualmente não seguir a recomendação do ministério.

A Procuradoria ainda requisitou informações sobre "outras providências adotadas, nesse período, em termos de moderação de conteúdos relacionados a ameaças de ataques a escolas". Por último, pediu que a plataforma explique se tem planos de elaborar protocolos no médio prazo sobre "moderação de conteúdo em contextos emergenciais".

A requisição do Ministério Público faz parte de uma série de ações tomadas por autoridades na esteira de atentados contra escolas no país. Na última quarta (5), um homem invadiu uma creche em Blumenau (SC) e matou quatro crianças.

A reportagem tentou contato com o Twitter nesta terça (11), mas recebeu como resposta apenas um email com um emoji de cocô.

A rede social de textos curtos tem sofrido mudanças desde que o bilionário Elon Musk a comprou, em outubro de 2022. Também dono da empresa aeroespacial SpaceX e da fabricante de carros elétricos Tesla, ele reduziu a força de trabalho do Twitter de 7.500 para menos de 2.000 funcionários, recorrendo a sucessivas ondas de demissões.

Além disso, Musk foi criticado por mudanças no funcionamento da plataforma, como passar a cobrar pelo selo de verificado e a cobrar de pesquisadores pelo acesso a dados, e por políticas que permitem a manutenção de conteúdos com apologia da violência. O empresário se declara um "absolutista da liberdade de expressão".

Na manhã do dia 11 de abril, um adolescente esfaqueou três colegas em Santa Tereza de Goiás (GO), também numa escola —as vítimas não tiveram ferimentos graves. No final de março, um adolescente de 13 anos matou a facadas uma professora de 71 na escola estadual Thomazia Montoro, na zona oeste de São Paulo.

Essa é a iniciativa mais dura das autoridades contra as redes sociais desde março do ano passado, quando o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que os provedores de internet bloqueassem o funcionamento do Telegram em todo o Brasil.

Na decisão, Moraes salientou reiteradas vezes a "omissão" do Telegram em fazer cessar a divulgação de notícias fraudulentas e a prática de infrações penais, como publicações do presidente Jair Bolsonaro (PL) com informações falsas sobre as urnas eletrônicas. Dois dias depois, o magistrado liberou o funcionamento após a empresa cumprir determinações.

Para Patricia Peck, advogada especialista em direito digital, a ação contra o Telegram mostra que esse tipo de bloqueio já aconteceu no Brasil e está previto no Marco Civil da internet. "Entendo que é uma medida extrema mas legítima, necessária quando não há outra alternativa".

Já o também advogado Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade e colunista da Folha, considera que a medida mais impactante contra as plataformas seria a aplicação de multas. "As circunstâncias para remoção de uma rede inteira são muito específicas e raras".


Entenda o que a portaria prevê

As novas regras foram publicadas no fim desta quinta (12) pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, prevendo multa para as redes sociais que não cumprirem as regras para combater conteúdos que fazem apologia de violência e ameaças de ataques em escolas no Brasil.

Segundo a argumentação do governo, a sanção administrativa pode ser aplicada a um serviço que não é seguro para os consumidores.

O Ministério da Justiça, por meio da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), passa a exigir das plataformas:

  • relatórios com medidas que estão adotando para inibir a circulação de conteúdos com apologia à violência nas escolas, não só a informação que a plataforma está aberta a receber solicitações da polícia e do Judiciário
  • informações sobre como estão atendendo as requisições das autoridades competentes;
  • dados sobre protocolos que estão editando em face da situação de crise
  • adoção de uma avaliação de riscos decorrente do serviço e transparência sobre a moderação de conteúdo
  • informações sobre o risco de exposição de crianças e adolescentes a conteúdos veiculadores de violência, risco de propagação e viralização desse conteúdo;
  • termos de uso para prevenir a propagação de conteúdos violadores da segurança de crianças e adolescentes
  • compartilhamento com delegados de dados que permitam identificar o usuário imediatamente
  • impedimento de novos perfis a partir de endereço de protocolo de internet em que já foram detectadas atividades ilegais

Sanções às plataformas:

  • Multa de até R$ 12 milhões e até suspensão da atividade da rede social.

Quando a portaria entra em vigor:

  • Imediatamente.

Colaborou Bruno Lucca, de São Paulo 

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