José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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A voz passiva da Folha

Jornal faz escolhas, e algumas revelam mais do que notícias

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A imagem da semana foi a dos caças russos despejando gasolina no drone americano. Cena meio Top Gun, mas que se estivesse no filme soaria tosca. O mais interessante do episódio é que os EUA primeiro denunciaram o incidente e a atitude antiprofissional da força rival. Ouviram de volta que o drone fazia manobras erráticas e que o resto era mentira. Esperaram o dia seguinte para mostrar o vídeo e quem estava mentindo. A guerra também é de narrativas, costuma-se dizer, e uma delas ficou irrecusável para capas de jornais e sites em todo o planeta.

A ausência de imagem da semana foi a da deputada federal Duda Salabert. Na Entrevista da 2ª, afirmou que o colega e detrator Nikolas Ferreira era assunto pequeno diante de sua atuação parlamentar, voltada para questões mais importantes do país. "A pauta identitária, a história e o debate sobre a comunidade de pessoas travestis e transexuais eu já carrego no próprio corpo e na minha construção política", ponderou. Nem seu corpo nem seu rosto mereceram, porém, espaço na Primeira Página da Folha na segunda-feira (13), diferentemente do que ocorreu com Ferreira e sua infame peruca, alguns dias antes.

Ao comentar a atitude homofóbica do colega, Salabert lembrou que "o algoritmo favorece o discurso de ódio" e que é preciso discutir como as plataformas afetam a democracia. Seria bom entender também como afetam o comportamento dos políticos. Só o algoritmo explica as marteladas de Tarcísio de Freitas no leilão do rodoanel. A reportagem da Folha, diga-se, resistiu a dar um título para o momento Bambam encenado pelo governador. A Home do jornal, não.

A avalanche de imagens é tão grande nas redes sociais que a mídia, muitas vezes, se deixa levar. Pior ainda quando, no afã da denúncia, perpetua a violência contra quem já está sendo abusado, como aconteceu com a vítima do anestesista estuprador em sala de parto, tema já discutido pela coluna. A Folha teve boa atuação nesse caso, mas escorregou em outro na quarta-feira (15).

Reportagem sobre americanos que davam um curso "para pegar mulher" em São Paulo foi ao ar com vídeos da dupla no YouTube e no TikTok. Em um desses, várias mulheres apareciam em festas, exposição que, se já era ruim, ganhava conotação ainda pior com a leitura do texto. A edição acabou sendo refeita, com a supressão de links e imagens.

Ilustração de um homem branco, alto e magro com barba e cabelos castanhos curtos e penteados. Ele veste uma blusa justa marrom com mangas 3/4, calça justa marrom e botas. Há um balão de fala em branco perto da cabeça e outro abaixo dos pés dele. O fundo é marrom claro com textura de papel.
Carvall

Equívocos, lapsos, escolhas. Não importa a explicação, revelam mais do que notícias.

Substantivo feminino

O resultado do Oscar foi o esperado e mesmo assim gerou muitas reações. O grande premiado da noite de domingo (12) em Los Angeles, "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo", amanheceu no dia seguinte apanhando da Folha.

Na crítica interna, o ombudsman relatou queixas de leitores ("olha o preconceito", "falta fantasia") e sugeriu que o jornal deveria ampliar seu leque de opiniões sobre o filme. Se por causa do alerta ou não, assim foi feito, mas uma carta no Painel do Leitor de quarta-feira (15) bateu firme no jornal: " A Folha nos brinda com não um, mas três textos escritos por homens brancos... Uma diversidade maior de resenhas poderia ajudar o leitor da Folha a entender, por exemplo, por que o filme ressoou com tantas mulheres que conheço, especialmente jovens mães". "Tudo em Todo Lugar", para quem não viu ou só ouviu falar de multiversos, é um filme sobre uma mãe. Escolhas.

Sujeito da oração

"Gilberto Gil tem título de cidadão honorário rejeitado por vereadores de Florianópolis", diz a Folha em título. Gil não pediu nada. A notícia é que a vereança da capital catarinense recusou homenagem ao cantor baiano, ato de evidente significado atualmente. Inverter os sujeitos faz diferença.

"Menina de 12 anos desaparecida no Rio é encontrada presa em quitinete no Maranhão." Na Folha, o fato de ela ter sido encontrada em uma quitinete é notícia. "Menina desaparecida em Sepetiba é encontrada pela polícia no Maranhão". Em O Globo, importa ela ser de Sepetiba. "Menina de 12 anos levada em carro de aplicativo do Rio para o Maranhão é libertada pela polícia." Em O Estado de S.Paulo, a forma do traslado. O sujeito da ação, um homem de 25 anos que foi atrás de uma menina de 12, acabou poupado em todos os enunciados.

"Flávio Dino vai à favela da Maré, no Rio, e deputados criticam pouca segurança." Dois sujeitos e duas ações, mas a Folha chegou atrasada na história e misturou os ocorridos na chamada. A notícia é que um ministro de Estado foi a uma das comunidades mais violentas do país. Outra coisa é o oportunismo de políticos de oposição, que insinuam conluio do ministro com o tráfico (o "criticam pouca segurança" do título é esquisito e eufemismo). A questão aqui é se o jornal se debruçaria sobre a visita se não houvesse a gritaria bolsonarista. Escolhas.

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