José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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O pensamento fóssil brasileiro

Agenda ambiental é para inglês ver, mostra semana peculiar do noticiário

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Para quem se acostumou com o jornal batendo no atual governo, o primeiro editorial da Folha, na segunda-feira (22), foi uma surpresa. Em "A Amazônia e o calor", este diário escreveu que "não faz sentido abrir frentes de extração de combustíveis fósseis" e que o país "não precisa frear o próprio desenvolvimento para a mitigação da crise do clima, só reorientá-lo". A decisão do Ibama de rejeitar a extração de petróleo na foz do Amazonas "indica que uma chave foi virada". Lula 3 enfim acertou uma, conclui-se pela leitura. O curioso foi ver o restante do país bradar o contrário, no decorrer da semana, incluindo altas patentes do governo petista.

Marina Silva foi menosprezada pelo Congresso. O ministro de Minas e Energia declarou que o embaixador ambiental do país é Lula, não a colega. O premiê Arthur Lira aproveitou para acuar o Planalto, deixando correr na Câmara uma espécie de vendeta antiambiental. Atribuições dos Ministérios de Meio Ambiente e Povos Indígenas foram talhadas nas MPs de reconfiguração do Executivo. De bônus, a Casa retomou um descabido afrouxamento da proteção à mata atlântica e votou a urgência de um projeto sobre o marco temporal de demarcações, que atropela o julgamento no STF.

Marina gritou que recursos internacionais e o acordo União Europeia-Mercosul, entre outras iniciativas, minguariam com tamanho desmonte da agenda ambiental. A Folha apenas no sábado (27) foi ouvir vozes do mercado, que falaram exatamente a mesma coisa.

A mídia preferiu gastar a semana relatando as fissuras de Lula 3. Transição energética é preocupação até a página dois. O Estado de S.Paulo, em editorial, escreveu que "a questão ambiental transformou-se em uma trincheira ideológica" e que a exploração da região amazônica "não deveria ser um tabu". A discussão, porém, não se limita a um poço da margem equatorial, mas a toda exploração de combustível fóssil. A corrida tecnológica, anabolizada pela inteligência artificial, promete acelerar a obsolescência do petróleo, disse o criador do ChatGPT. Enquanto a França proíbe voos de curta duração e acionistas constrangem executivos da Shell, em Londres, o presidente da Petrobras filosofa que montar eólicas offshore, para a empresa brasileira, é como brincar de Playmobil.

Debate raso, soluções rasas. Na quinta-feira (25), manchetes castigavam o pacote do governo para subsidiar carros populares, mas poucas eram as que se atinham à incongruência ambiental da medida. A mais lida era sobre quais modelos ficariam mais baratos.

Ilustração mostra, em forma de silhuetas, inversão da Marcha do Progresso. Na imagem original, um chimpanzé está do lado direito da tela, e as espécies vão evoluindo até chegar ao Homo Sapiens. Aqui, ela é mostrada na ordem contrária. A última imagem é a do chimpanzé. Ele diz: "o petróeo é nosso".
Carvall

Se a chave virou, como diz o editorial da Folha, parece claro que a agenda ambiental só pegará no tranco neste país.

Para alemão ver

Campeã de reclamações de leitores na última semana, a coluna "Fui surpreendida por uma possível saudação nazista", de Giovana Madalosso, ensejou a publicação de um texto Erramos, como se diz internamente no jornal: "Folha errou ao associar propriedade de SC ao nazismo". O jornal levou quase uma semana para verificar o conteúdo do artigo, em que a escritora descreve e classifica como nazista o telhado de uma casa com a inscrição "Heil" em uma cidade do estado. Heil é um sobrenome comum na região, que passou de famílias para estradas e comércios com o tempo. Desde o século 19, quando os primeiros imigrantes alemães chegaram ao país, segundo uma das mensagens enviadas. Há um descompasso considerável entre histórias e significados.

Em sua reportagem de reparo, a Folha lembra que já havia corrigido informações da coluna através de Erramos no mesmo domingo (21) da publicação do texto no site: "É incorreto afirmar que a inscrição Heil no telhado dos imóveis ‘muito provavelmente’ seja uma referência a uma saudação nazista". O "muito provavelmente" foi substituído por um "possivelmente" no artigo, o que alimentou novas críticas.

O episódio ilustra uma das várias feridas abertas no país e infeccionadas pelo discurso extremado de redes sociais e agentes públicos. No lugar de trabalharem pela moderação, locupletam-se de likes e votos. Antes mesmo da contestada coluna ter ido ao ar, um leitor de Joinville já se queixava ao ombudsman de muitos comentários pesados feitos em reportagens relacionadas a Santa Catarina e Paraná. É o mesmo ódio que brota nas ofensas e ameaças a Madalosso, que não podem ser confundidas com a justa crítica.

Tampouco ajuda a Folha não se abrir ao debate. O jornal ignorou comentários acerca do episódio em seu tradicional canal, o Painel do Leitor. Deixar a tarefa para a mídia social é se render à pancadaria.

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