José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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O suposto equilíbrio da Folha

Jornal segue sua cartilha e não evita sinais contraditórios aos leitores

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Todo cuidado é pouco na hora de relatar crimes, pelo simples fato de que, passado o devido julgamento, pode ser que eles não tenham acontecido. Quer dizer, a Justiça ou o júri podem concluir que não existiram ou que os acusados não foram os responsáveis. No jornalismo, é complicado desdizer as coisas. Prudência então.

Efeito colateral disso é o uso por vezes exagerado no texto jornalístico de adjetivos como "suposto". A suposta agressão, o suposto desvio, o suposto estuprador. Cada caso é um caso, mas frequentemente a culpa acaba relativizada na prática por uma questão semântica: além de indicar algo admitido a priori, por conjectura ou lógica, suposto também carrega o significado de imaginado, inverídico. A boa edição contorna o julgamento antecipado sem, no entanto, brigar com o óbvio. Em um caso de violência doméstica, por exemplo, seria correto usar suposto agressor, mas as circunstâncias podem tornar a descrição ingênua ou até descabida.

Na cobertura dos entreveros entre Elon Musk e Alexandre de Moraes, na última semana, a Folha escreveu que os inquéritos do STF "apuram disseminação de fake news e suposta tentativa de golpe de Estado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados". "Suposta?", indagou uma atenta leitora.

Ainda que insistam na discussão, é preciso ser bolsonarista para asseverar que os envolvidos não trabalharam por um golpe no Brasil nos estertores do governo anterior. Na frase, o "apuram" já dispensaria o "suposto", tanto que o adjetivo não aparece antes de "disseminação de fake news". Quem nega o golpe nega tudo.

Padrão, excesso de zelo, ato falho, a opção da Folha, segundo a leitora, é o detalhe eloquente de uma intenção deliberada do jornal de fazer "o peso crítico recair todo sobre o Supremo, não sobre os acusadores, representantes bem sabemos do que e de quem".

Um personagem pequenino se depara com um grande computador. O fundo é verde.
Carvall/Folhapress

A questão não é se obrigar a defender ou contestar Moraes, qualquer predisposição é ruim, mas o desbalanço do criticismo, que faz o jornal escorregar para um dos lados.

Algo parecido ocorre no debate sobre censura e regulação das redes sociais, para ficar em terreno próximo. É muito fácil adotar um discurso de preservação da liberdade de expressão, mas, no atual estado de coisas, é preciso fazer força para mostrar que isso nada tem a ver com o extremismo, interessado apenas em uma via sem obstáculos ou contraditório.

É confortável para a Folha adotar as posições habituais de equilíbrio, ignorando o fato de que podem não dar conta das circunstâncias. Com o perdão do trocadilho, supor que isso será suficiente para os leitores é um equívoco.

Andar com fé...

A Folha anda pródiga em novidades, lançando quase que semanalmente novas seções, séries e colunas. Um bom sinal. Na última semana, chamou a atenção o advento de um blog "que pretende trazer informações sobre o universo evangélico com o olhar de quem frequenta uma igreja evangélica".

A descrição está no texto de apresentação de Evangélicos, produto da jornalista Melina Cardoso, que já se ocupou do blog Maternar e é a dona do conhecido tom das narrações de vídeos da TV Folha. Melina quer "furar a bolha e dar voz a um público que cresce vertiginosamente ano após ano". Alguns leitores se incomodaram.

"Entendo que a Folha deveria ser um jornal laico. Se abre um espaço para evangélicos, deveria abrir também para outras religiões. Caso contrário, estará sendo parcial e tendenciosa", escreveu um assinante. "A Folha, que vive sendo acusada de estar virando à direita, é pior, está virando pentecostal", afirmou outro.

"A Folha vem incrementando a cobertura jornalística do movimento evangélico no país nos últimos anos, e nesse processo é natural que incorpore o tema também nas seções de opinião, em que um blog mais dedicado a esse fenômeno religioso aparece em meio a mais de uma centena de outras colunas e blogs das mais diversas características", diz a Secretaria de Redação, que recusa a ideia de a Folha estar se submetendo a um só grupo. "Trata-se de cumprir a missão do jornal de refletir em suas publicações a dinâmica da sociedade brasileira contemporânea."

A Folha já teve cardeais católicos opinando de maneira regular no jornal em tempos bem diferentes, assim como conta com colunistas de crenças variadas. Nenhum, porém, dedicado a uma delas, como agora. É razoável o jornal querer se aproximar de qualquer público, mas há um passo diferente aqui. A ver aonde levará.

Na cobertura do eclipse solar no hemisfério Norte, o jornal The New York Times fez uma abordagem mística do fenômeno. A repórter responsável pela matéria, segundo seus créditos, escreve sobre "fé e espiritualidade". Sobre o que for, é preciso escrever para todos.

...eu vou

O ombudsman sai de férias. A coluna volta em 19 de maio.

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