José Manuel Diogo

Diretor da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, é fundador da Associação Portugal Brasil 200 anos.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

José Manuel Diogo

Hoje, muitas cidades portuguesas trazem a memória moderna de uma juventude feliz

Maria conheceu Lisboa depois de já ter visitado a Europa inteira e nunca ter posto o pé em Portugal

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

No estuário do Tejo, em pleno mar da Palha, o delta do rio ultrapassa em distância o tamanho do olhar até a linha do horizonte. É por isso que em Lisboa também é possível ver o sol nascer no mar. Foi o que mostrei a Maria quando aterrissou em Portugal pela primeira vez —há dez anos—, depois de já ter visitado a Europa inteira e nunca ter posto o pé em Portugal. Isto ainda é mais bonito que Caraíva… Você vai ver.

Deus foi bom com Maria. Deu-lhe um berço chique, educação esmerada, amas de branco, nome no Paulistano, férias em Ilhabela, festa de debutante, carro aos 18, fazenda no interior, cobertura nos Jardins, esqui na Áustria, faculdade na Suíça, namorado italiano e plano de saúde com direito ao Sírio-Libanês.

Pessoas caminham próximo à Torre de Belém, em Lisboa
Pessoas caminham próximo à Torre de Belém, em Lisboa - Carlos Costa - 28.mai.22/AFP

O voo da TAP chegava cedo, às 6h, e era preciso causar impressão. No final de novembro em Lisboa ainda faz escuro a essa hora, o sol nasce perto das 8h, e a ideia de ir ver o sol nascer se apresentou perfeita.

Nascida em Sampa, no último quartel do século 20, no coração da elite fazendeira do interior do estado de São Paulo, Maria estava habituada desde pequena ao aroma do café e aos cheiros dos estábulos de criação de cavalos lusitanos. Mas nunca relacionou o nome da raça com sua origem geográfica.

A sua cultura estava nos antípodas da ideia de que existia um lugar visitável chamado Portugal. Entramos no carro, parqueado no aeroporto da Portela, que hoje se chama Humberto Delgado, e saímos, ainda noite escura, ao encontro de Lisboa. Nesse tempo o progresso estava aterrissando em Portugal, e infraestruturas modernas de grande qualidade mudavam para sempre a face e a fama do país luso.

Mas mesmo assim Maria chegara contrafeita. Para ela, Europa eram as luzes e os edifícios de Paris, a elegância do Big Ben e os arranha-céus da City, as lojas fashion de Milão, os restaurantes em Roma, as pista de esqui em Zermatt e Verbier e, eventualmente, um ou outro devaneio a leste; caviar no Kremlin ou alguma iguaria secreta nas mil e uma noites de Istambul. De Lisboa, nem sabia estar mais perto.

Seria um daqueles dias claros de inverno. A chuva da noite anterior limpou o ar de todas as impurezas, e a atmosfera de Lisboa, destilada pelo frio seco, era mais fina que cristal da Baviera. A luz do dia começava a desenhar, nas fachadas dos edifícios e na organização das ruas, uma cidade calma e acolhedora.

Parando nos faróis vermelhos —que os portugueses chamam de semáforos e inexplicavelmente colocam por cima de suas cabeças em vez de na rua em frente—, fui percebendo, no sorriso que espantava o cansaço da viagem transatlântica, que ali se vivia uma epifania.

Uma cidade leve e segura, próspera e caseira, próxima e culta desenhava-se mais claramente a cada minuto. Mais tarde, Maria, haveria de me dizer que essa primeira impressão foi como uma memória mágica que lhe trouxe um déjà-vu da infância e juventude em São Paulo, nos anos 1980.

Hoje, muitas cidades portuguesas, como Coimbra e o Porto, por exemplo, são exemplo disso: a memória moderna de uma juventude feliz. Lugares perfeitos para viver. Maria, está vendo o sol nascer no mar?

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.