José Manuel Diogo

Diretor da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, é fundador da Associação Portugal Brasil 200 anos.

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Bienal do Livro de São Paulo não foi um evento qualquer

Obras literárias são ponto de partida para projetar uma nova sociedade global e multiterritorial

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Quando a CBL (Câmara Brasileira do Livro) escolheu Portugal para ser o país convidado do maior evento dedicado à literatura e ao livro que acontece em todo o mundo em língua portuguesa, sabia que no convite existe um significado maior.

A CBL não escolheu Portugal "apenas" porque o Brasil comemora o bicentenário da Independência, a literatura celebra o centenário do nascimento de José Saramago nem porque (citando apenas dois) o escritor Valter Hugo Mãe e o humorista Ricardo Araújo Pereira são verdadeiras estrelas pop nos dois lados do oceano.

Também não foi porque Abel Ferreira, técnico ganhador e ídolo do Palmeiras —uns dizem que em breve técnico da seleção— fez o gosto ao dedo e escreveu um livro que lançou com notório sucesso, na presença do próprio embaixador de Portugal em Brasília, que se deslocou a São Paulo propositadamente para o efeito.

Movimento no último dia da Bienal do Livro no Expo Center Norte, em São Paulo
Movimento no último dia da Bienal do Livro no Expo Center Norte, em São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress

Todos esses motivos são bons, válidos, óbvios, mas não são a causa dessa escolha. Eles são a sua consequência. A causa reside em algo bem mais simples, menos evidente e, por isso, mais difícil de explicar.

A escolha prende-se com um intrínseco sentimento de "achamento" que, emanando das elites (culturais e econômicas) brasileiras, se tem desenvolvido aceleradamente nas duas últimas décadas como resultado de uma crescente complexidade dos mecanismos de partilha de informação entre os vários estratos sociais das duas nações de língua portuguesa.

Este processo está se transformando em um verdadeiro movimento (o primeiro) de contracolonização da história. Mas desta vez planeado politicamente, organizado pelas elites, desejado pelos povos e no qual os seus protagonistas têm consciência de estar vivendo em direto esse acontecimento.

A ligação direta que o ministro português da Administração Interna, José Luís Carneiro, faz entre "a necessária remodelação da polícia de Estrangeiros e Fronteiras" (o principal gargalo nos processos de emigração portuguesa) e a questão demográfica que Portugal precisa resolver, é a prova disso.

Conjuntamente com a criação de vistos de longa duração para procura de trabalho, são medidas tão relevantes do ponto de vista histórico como foram, na década de 1750, os incentivos territoriais que o Marquês de Pombal deu aos enlaces matrimoniais entre portugueses e indígenas.

A mudança de paradigma tecnológico que a pandemia trouxe —adultos em reuniões de Zoom, Teams e Meets e os encontros, polêmicos e inesperados, entre youtubers brasileiros e meninas e meninos portugueses em idade escolar— acelera tudo isso.

Os responsáveis pela CBL sabem que hoje a língua portuguesa não é mais apenas um código organizado de palavras e significados que, a cada cem anos, ilustres universitários, combinam reacordar abrindo notórias, mas inúteis, disputas acadêmicas.

Eles, que editam livros, sabem que hoje os produtos da língua se destinam à globalidade dos cidadãos falantes e que os tradicionais condicionantes geográficos estão desaparecendo. Sabem que a língua tem mais valor econômico que nunca e que, no caso específico dos livros —o país "Portugal" precisando de emigrantes para não "morrer"— é uma oportunidade geracional.

Talvez cumprindo o destino daquela Biblioteca Real, esquecida em 1808 em um cais de Lisboa, e mais tarde objeto de negociação separada nas tratativas da independência com Portugal, os livros são de novo o ponto de partida para projetar uma nova sociedade global, multiterritorial e permanentemente partilhada em que a língua é uma nova cidadania.

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