Em uma praça medieval na cidade portuguesa de Coimbra, uma estudante de arquitetura da Moldova, uma escritora filósofa antirracista e defensora dos direitos humanos, uma criança portuguesa de 4 anos sedenta por um doce, um vendedor informal de paçoca com ambições de networking e um colunista da Folha se cruzam por conta de um Pix. Quer saber a história?
Enquanto o colunista confirmava os detalhes da conferência da Cidadania da Língua com a ativista e a criança pedia um desenho à futura arquiteta, Roberto "Paçoquinha", que vinha passando, intrometeu-se nos diálogos prometendo toda a alegria do mundo na rolha de amendoim.
Um euro por porção era o preço da genuína "Moreninha do Rio", paçoca embrulhada em sua tradicional embalagem amarela. Roberto, no jeito mais autêntico do calçadão, disfarçava a venda batizando o ato de "networking internacional". Dava vontade de escutar.
Estando os circunstantes muito ocupados em seus afazeres, tentaram ser rápidos e, para ganhar tempo, de imediato passaram à efetivação da compra. Mas havia um problema. "Não temos dinheiro vivo, só cartão, pode ser? Aceita? Não? Então… só se for Pix."
Aí foi a vez de Roberto surpreender a vetusta Praça do Comércio conimbricense —adjetivo e nome para as coisas e as pessoas de Coimbra— com um gesto de modernidade tropical. "Topo! Aceito!" E logo me falou o CPF para consumar o Pix intercontinental, servido na mesma língua, mas em jurisdições financeiras bem diferentes.
Câmbio feito, favorável à compra, R$ 5 para € 1. É verdade que sem a desfaçatez carioca e o baldinho de Moreninhas do Rio esta história não teria tanta ginga, mas na verdade esse trânsito acelerado entre Brasil e Portugal está nos oferecendo muito em que pensar.
Primeiro: é verdade que a taxa pode ainda não existir para pessoas físicas, mas quando ela é aplicada à empresa que a paga, o efeito é igual. Aumenta o valor da transação e as partes vão procurar uma solução sem custo. Voltará o dinheiro vivo e todos os seus problemas.
Segundo: como estrangeiro que mora no Brasil e acostumado com a sofisticação dos sistemas bancários internacionais, ter assistido à criação do Pix e à sua difusão, gratuita, rápida e transversal na sociedade brasileira foi surpreendente. Não seria bom voltar atrás.
Terceiro: poder fazer uma transação real —eu comi de fato as três rolhas de paçoquinha— fazendo um Pix com um oceano pelo meio nos faz pensar que o mundo cheio de fronteiras em que nascemos, e em que por vezes ainda vivemos, está mesmo em vias de extinção.
A única coisa que não muda mesmo é a cupidez dos bancos em querer taxar o progresso. Dá muita pena ver uma das maiores marcas de modernidade do Brasil, o Pix, ser atacada por um imposto medieval —justificando a Praça do Comércio.
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