José Manuel Diogo

Diretor da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, é fundador da Associação Portugal Brasil 200 anos.

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Brasileiros veem Portugal como um país para ficar, diz Antônio Grassi

Ator que hoje mora em Lisboa relata mudança no perfil da migração brasileira ao país europeu

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Sete anos depois de interrompidas por um período mais conturbado da política interna brasileira, as relações oficiais entre Brasil e Portugal perderam fulgor, mas, em contradição, a imigração de cidadãos brasileiros para terras lusas aumentou exponencialmente no mesmo período.

Um desses imigrantes é Antônio Grassi. Ator, autor, produtor cultural, morando hoje em Lisboa, está apaixonado pela "cidade branca" e pelas questões da cidadania da língua. Foi diretor da Funarte, presidente do Inhotim, estrela em peças de teatro, filmes e novelas, sendo, no universo da língua portuguesa, reconhecido por suas notáveis contribuições artísticas.

Antonio Grassi em cerimônia do Prêmio Montblanc de Cultura, em São Paulo - Bruno Poletti - 7.ago.15/Folhapress

Além disso, é um pensador e programador intenso, dirigindo atualmente o espaço Talante, em Lisboa, na livraria "Ler Devagar", no bairro de Alcântara, a menos de 100 metros em linha reta das águas do Tejo.

Foi um homem entusiasmado e feliz que deu esta entrevista à coluna, em mais uma conversa com "Gente de Cá de Lá na Mesa do Cícero", no bairro de Campo de Ourique, na frente da casa Fernando Pessoa, na capital portuguesa.

No início da década passada, o senhor realizou para o governo brasileiro o projeto "Casa do Brasil em Portugal" e hoje mora aqui. Isso foi decisivo para a sua mudança? Tive a oportunidade de ser o comissário do Ano do Brasil em Portugal em 2012. Como você mencionou, durante esse período, construímos o nosso espaço brasileiro na LX Factory, em Alcântara. Eu buscava estabelecer um vínculo forte com esta cidade que considero uma das mais leves que já conheci. Embora adore Paris, Londres e tenha grande apreço por Florença, quando retorno a Lisboa sinto uma leveza que essas outras cidades que amo não conseguem transmitir.

Como assim? Essa sensação de leveza em Lisboa está relacionada à luz, ao céu e a uma atmosfera única que a cidade possui. É diferente da pressão que muitas vezes se sente em lugares extraordinários, mas que carregam uma carga externa. Embora eu não consiga descrever isso com muita precisão científica, é mais um sentimento e uma conexão forte que tenho com Lisboa, essa leveza que a cidade transmite ao me receber. Quando cheguei aqui pela primeira vez, senti como se estivesse retornando a uma cidade do interior de Minas Gerais, onde minha família foi criada e se desenvolveu.

Ouço frequentemente brasileiros dizerem que Portugal se tornou um "estado brasileiro na Europa". Essa mudança impacta a forma como os dois países se relacionam? Há uma mudança significativa nesse cenário. Quando fui comissário do ano do Brasil aqui em Portugal, em 2012, alguns dados chamavam a atenção. Naquele ano, cerca de 800 mil brasileiros passavam pelo Aeroporto de Lisboa, mas não desembarcavam, apenas faziam conexões para outros países. Isso levou à criação do "stopover", onde as pessoas que tinham dinheiro para comprar uma passagem aérea poderiam ficar dois dias em Lisboa e aproveitar a cidade. Foram criados estímulos, como descontos em hotéis ou vouchers de desconto em lojas, especialmente para os passageiros da classe executiva da TAP.

Hoje não é bem assim. Estamos presenciando uma mudança completa nesse panorama. Não apenas os brasileiros estão desembarcando em Lisboa, agora eles estão vindo para ficar. Há uma inversão da dinâmica. Temos milhares de brasileiros que escolheram Portugal como seu lar, mesmo fora do contexto oficial de imigração.

A primeira viagem de Lula, antes mesmo de tomar posse, foi para Lisboa. Isso sugere uma mudança nas relações entre Brasil e Portugal? Esse gesto simbólico demonstrou um compromisso político com a relação bilateral. A visita de Lula como presidente empossado reforça ainda mais a importância desses laços entre os dois países. Isso indica um forte comprometimento em fortalecer e estabelecer uma parceria sólida. É um movimento significativo que sinaliza a intenção de construir um vínculo mais profundo e duradouro.

Também no contexto cultural? No contexto das artes e da cultura, é importante ressaltar o papel desse setor tanto no Brasil quanto em Portugal. No Brasil, a cultura desempenha um papel relevante, inclusive economicamente, contribuindo mais para o PIB nacional do que a indústria automotiva. É um setor diversificado que engloba vários aspectos, incluindo o turismo. Essa retomada das relações bilaterais entre Brasil e Portugal oferece uma oportunidade para construir algo novo e significativo. Não se trata apenas de reconstruir, mas também de criar algo novo.

Considerando esse cenário, como pensa que profissionais da cultura brasileiros podem expandir seu trabalho em Portugal? Destaco o audiovisual. Observamos globalmente a influência dos serviços de streaming, que estão se solidificando em todos os aspectos. Em Portugal já existe uma legislação que taxa a presença de plataformas como a Netflix, com a exigência de eles produzirem conteúdo local. Essas intersecções e possibilidades oferecidas pelos serviços de streaming, que ainda são tratados como novidades no Brasil, são um ponto crucial na questão.

Mas não apenas. Há vários outros aspectos que poderiam ser melhor disseminados por meio de ações mais efetivas, mas destaco a indústria do audiovisual como um ponto central na discussão. Diria aos profissionais que se prepararem adequadamente, assim como recomendaríamos a qualquer pessoa que estivesse preparando um plano de negócios. É importante entender o que se vai encontrar antes de mergulhar de cabeça.

Quais as oportunidades concretas? A ideia de coproduções, utilizando a incrível variedade de cenários que temos tanto no Brasil como em Portugal, é um exemplo. Tenho viajado por Portugal e, considerando a dimensão do país em relação ao Brasil, fiquei surpreso ao entender que existem regiões locais tão distintas e diferentes. É uma riqueza de cenários e culturas que pode ser bem explorada na indústria do audiovisual.

Para um português que deseja compreender melhor o Brasil por meio da cultura, o que recomendaria? Falando nas obras mais recentes, há no campo do audiovisual uma dramaturgia diversificada e de alta qualidade. Apesar de termos enfrentado quatro anos difíceis, esse período teve efeitos positivos e resultou em produções muito interessantes que uniram aspectos inesperados da cultura brasileira. Um desses efeitos foi o surgimento de vozes da periferia ocupando o centro do debate. Personagens como o rapper Emicida e o cantor Mano Brown são exemplos disso. Emicida, por exemplo, fez um trabalho incrível com um concerto no Teatro Municipal de São Paulo que acabou resultando em um filme maravilhoso. Da mesma forma, o podcast do Mano Brown traz essa voz da periferia para o centro do diálogo.

E no cinema isso também acontece? Há filmes que refletem essas vozes, como o filme "Marte Um", criado e filmado na periferia de Belo Horizonte (MG). Este filme, com um elenco desconhecido para o público em geral, foi indicado pelo Brasil para concorrer ao Oscar de filme internacional. Todo esse movimento é um reconhecimento importante no campo do audiovisual brasileiro. Estamos acostumados, por razões óbvias, com o grande sucesso das telenovelas, que são muito bem feitas e introduziram muitos rostos e personagens famosos. Mas é gratificante ver novas vozes ganhando destaque e mudando a forma como entendemos e valorizamos a cultura e a arte brasileira.

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