José Manuel Diogo

Diretor da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, é fundador da Associação Portugal Brasil 200 anos.

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O português de Portugal não está em risco

Enquanto existirem falantes de português, ele estará sempre vivo e se transformará pelas migrações e pelo pulsar das ruas

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O português de Portugal não está em risco. Precisamente por causa do Brasil. Enquanto for engrossando o número de mineiros, cariocas, paulistas e soteropolitanos em terras lusas, não se corre esse perigo.

Mesmo que o "bacana" ultrapasse o "giro" e o banheiro não salve a vida de ninguém com dor de ventre, Camões não sucumbirá a Assis. As línguas com falantes não morrem, transformam-se.

Pessoas fazem fotografias no Cais das Colunas, em Lisboa
Pessoas fazem fotografias no Cais das Colunas, em Lisboa - Pedro Nunes - 25.out.22/Reuters

É por isso que o brilhante texto de Rodrigo Tavares no Expresso tem razão em tudo, menos na premissa. O português de Portugal não está em risco, simplesmente porque esse risco não existe, como o português do Brasil ou de Angola não carecem de cuidados, porque não são independentes. Todos "eles" fazem parte, "mutatis mutandis", da construção permanente dessa nova cidadania chamada língua.

Anunciar sua morte é exagerado. Enquanto existirem falantes de português, ele estará sempre vivo. Se transformará pelas migrações, pela produção das universidades e pelo pulsar das ruas. E, cada vez mais, pelas mídias sociais, nas quais a língua se reinventa diariamente, inventando palavras em toda a parte.

Eu e Rodrigo estudamos na mesma escola, numa cidade pequena de Portugal com nome de general golpista brasileiro: Castelo Branco. E os dois nos encontramos hoje no maior jornal de língua portuguesa do mundo. Os dois provam que a plataforma-língua não se revê mais em geografias como aquelas que existiam quando éramos crianças. Os dois são construções do mundo que a globalização trouxe.

A nossa diáspora pessoal —incluindo as inquietações linguísticas, estampadas nas mesmas páginas em dois continentes— faz parte e é prova de que não corremos o risco de transformarmos a língua falada em Portugal num cafundó, em que ela é cada vez mais portuguesa e cada vez menos global.

Hoje, nas ruas da Amadora, fala-se Kimbundu e Kikongo, no paço das escolas, em Coimbra, Tabajara e Guarani, no instituto politécnico de Castelo Branco, crioulo de Cacheu, e, no vibrante ecossistema das startups de Lisboa e do Porto, todos falam inglês. E assim Portugal continua vivo, no centro daquele mapa mundi que desenhou nos alvores do século 15, na forma de portulanos, quando, na terra que haveria de ser de Cabral, ainda todos só falavam castelhano.

Por outro lado, cada vez mais autores portugueses são lidos no Brasil, e a paixão pelo conhecimento da terra, e consequentemente da cultura lusa, cresce diariamente. Escritores consagrados de cá e de lá vivem, lado a lado, naquele belo mergulho literário que une Brasil e Portugal, como apregoa a novíssima coleção da Folha. Florbela e Assis. Eça e Bilac. Andrade e Camilo. Pessoa. Barreto, Dinis e Brandão.

Repito, o português de Portugal não está em risco. Ela vai se transformando feliz, surfando de bermudas coloridas, no primeiro movimento de contracolonização da história universal.

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