Qual seria a probabilidade de a primeira estudante brasileira a ingressar na então única universidade de língua portuguesa ter o nome América do Sul? Seriam elas pequenas? Mínimas! Talvez até nulas. No entanto, a realidade se desdobrou de forma surpreendente, pois foi exatamente isso que o destino ditou.
Iniciei a coluna com o intuito de desvelar a saga de América do Sul Fontes Monteiro, a primeira universitária brasileira a ser aceita em Coimbra. Mas ao me deparar com ela, com suas ressonâncias melódicas, históricas e linguísticas, percebi que ela não era o foco. Importante era outra mulher: Vilma Reis, que a encontrou na poeira dos arquivos da universidade e lhe desenhou formas de futuro.
A saga da menina América desenrola-se em outubro de 1917, com a Europa no meio da Primeira Guerra Mundial, Portugal às voltas com as aparições da Virgem Maria em Fátima e às portas da epidemia de tifo que assolava terras lusas no meio de sua tumultuada Primeira República.
Foi no meio desse caos que ela entregou um requerimento solene ao magnífico reitor, o jurista Arnaldo Mendes Norton de Matos, que nem era professor na mais antiga universidade de língua portuguesa. Com inabalável determinação, a jovem ansiava por se matricular e mergulhar de cabeça em todas as disciplinas do primeiro ano da nobre Faculdade de Letras, na magnífica seção de Filologia Germânica.
Pela primeira vez na história, uma mulher sul-americana teve o privilégio de adentrar os sagrados portões da renomada Universidade de Coimbra. Essa conquista singular reverberava como um marco transcendental, pois rompia uma tradição que perdurou por mais de três séculos, desde a formatura de Manuel de Paiva Cabral, um notável pernambucano, no longínquo ano de 1574.
A deliciosa saga de América do Sul chama a atenção, mas hoje é apenas passado. Já Vilma representa o presente que investigou a história e, sobretudo, o futuro, que hoje constrói esta nova era de relacionamento entre portugueses e brasileiros. Como muitas outras mulheres, Vilma, nascida em Belém, no Pará, seguiu sua insaciável sede por conhecimento e cruzou oceanos para mergulhar em diferentes culturas; e foi em Coimbra que começou a sua jornada profissional.
Sentindo-se protagonista da história, ainda fica surpresa ao constatar que a mesma universidade que um dia mapeou e sustentou a exploração que Portugal fez da Amazônia empenha-se agora em reparar o passado, contribuindo para a revelação de abusos coloniais. Prova disso é o improvável tema da sua tese de doutorado: jornalismo indígena.
Ao se deparar com os documentos que revelaram a história de América do Sul, Vilma provavelmente sentiu uma mistura de sorte, fascínio e encantamento. No entanto, a verdadeira epifania só ocorreu quando ela percebeu que sua descoberta faz parte de um mosaico maior, servindo simultaneamente como metáfora e profecia para o tempo que está por vir.
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