José Manuel Diogo

Diretor da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, é fundador da Associação Portugal Brasil 200 anos.

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Descrição de chapéu União Europeia Portugal

Ver João Carlos Martins tocar é reconhecer a anatomia de um milagre

Concerto de celebração dos 200 anos da criação do Senado foi um hino à democracia e à liberdade

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É quando a mão direita enluvada do maestro João Carlos Martins toca as teclas do piano e delas tira o som que enche a sala que o coração quase para, o respirar quase pausa e o amor quase se vê. Deve ser isso o que sentem apóstolos e mártires na presença iminente de milagres.

Depois é preciso respirar de novo e o coração voltar a bater, e aí vamos nós impelidos por um deus desconhecido, de porta a porta, de boca em boca, espalhando a boa nova. Quase esquecemos o mal e acreditamos de novo que o belo existe, que a arte é sublime, e que isso nos anima a acreditar que a humanidade conduz o mundo a paragens tão lindas quanto a batuta do João.

O maestro João Carlos Martins toca piano durante concerto em São Paulo - Mathilde Missioneiro - 12.dez.23/Folhapress

É preciso dizê-lo: precisa-se cada vez mais de milagres assim. Ou não seja verdade que, neste mesmo dia em que o João Carlos Martins nos mostrava a beleza e a alegria simples da criação, em Portugal a ultra-extrema direita, sem outra ideologia que semear confusão, impedia a escolha do presidente do Parlamento luso; e aqui mesmo em Brasília, a mesma direita procurava asilo na embaixada da Hungria tentando se esconder da mesma confusão que um tempo atrás grotescamente semeou.

As mãos do maestro continuam a tocar as teclas do grande piano e a fazer-me sentir coisas. Ocasionalmente uma gota salgada de emoção escorrega por meu rosto ao compasso simples do hino nacional, a peça com que o maestro encerrou este concerto, e o tempo alcança graças de imortalidade. Não é todos os dias que isso acontece.

Enquanto a mão direita soletra com maestria o hino que a todos une, toda a plateia —mais de 3.000 as almas que enchiam o Ulysses Guimaraes na capital de JK— se faz vidente involuntária do acontecimento extraordinário que foi o concerto inaugural das comemorações do bicentenário da criação, ainda no Brasil imperial, da casa da democracia, o Senado Federal, hoje presidido pelo meu amigo, mineiro e democrata, Rodrigo Pacheco.

Sobre milagres, li, não me lembro em que breviário, que a coisa comum que os define —caso realmente existam— é à primeira vista nunca parecerem sê-lo. Antes, confundem-se com excentricidade ou loucura, próprias de quem se alienou da sociedade e já nada lhe pode acrescentar.

Deve ter sido isso que todos pensaram quando na França, no ano da revolução, uns quantos sans coulottes gritaram "liberté, egalité, fraternité", ou um inglês de voz dura jurou "we shall never surrender" ou que, justamente há 50 anos em Portugal uns quantos soldados encheram de cravos os canos dos seu fuzis e a terra lusa de liberdade.

Também esses momentos devem ter parecido milagres, tão belos e irrepetíveis como as notas simples que saíram das mãos do maestro João Carlos Martins quando, no dia 25 de março, celebraram a força indestrutível da Democracia brasileira.

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