Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Josimar Melo
Descrição de chapéu férias

Viajar só de olhar

Às vezes a paisagem já vale por si e pode ser até melhor vê-la que vivê-la

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Para quem mora numa cidade apertada, com janelas que dão para paredes, viajar para campo, praia, montanha, de onde se possa divisar o horizonte, pode ser mais do que um mergulho na beleza.

Deixar a vista se perder ao longe parece fazer bem para tudo, até fisicamente (a musculatura do olho, habituada a ver telas a poucos centímetros, se exercita ao fixar longas distâncias). Com certeza ajuda o espírito: mirando longe, a mente segue o olhar, se perde na imensidão, se dá o direito de divagar, que é meio caminho para o sonhar —e quem viveria sem sonhos?

Final de tarde no Farol da Barra, em Salvador - Rafael Martins/Folhapress

Tenho o privilégio de ter sorvido amplas paisagens em diferentes lugares. E o que é quase paradoxal —devo confessar— é que a linda paisagem às vezes faz mais bem para o senso estético e para a memória do que pela experiência de vida que oferece.

Um exemplo: amo ver o mar do Brasil, fingir estar divisando à frente a costa da África.

Miragem, claro: em várias de nossas mais lindas praias o sol se põe no mar, para aplauso delirante dos expectadores. Como acontecia nos meus idos universitários, quando frequentava Paúba, no litoral norte paulista, onde nos alojávamos na casa de pescadores (e que nunca mais visitei desde que soube que virara um condomínio asfaltado).

O sol se punha detrás de uma pedra no mar. Bem, se era ali o poente, então ali era o oeste; como em tantas reentrâncias da nossa costa, se miramos o mar estamos olhando para o Brasil mesmo. Até mesmo na nossa africana Bahia, onde o sol se deita na praia do Farol da Barra.

Ali estão a beleza do mar e o horizonte a perder de vista. Mas também o calor, a areia empanando a pele impregnada de filtro solar... com o tempo, passei a preferir a vista do mar a partir do jardim da casa ou do terraço do hotel.

Também o mar é a moldura para outra paisagem que me fascina —a de barquinhos flutuando em uma marina. Bem, às vezes não são barquinhos, no diminutivo —a de Monte-Carlo, no sul da França, é linda, só temos que esquecer os donos das embarcações do tamanho de uma mansão Bolsonaros (e possivelmente também fruto de lavagem de dinheiro).

Mas são os barquinhos que mais me atraem. As marinas no Rio de Janeiro, Ilhabela, as jangadas do Ceará me encantam —para ficar só no Brasil. Se amo tanto olhar os barcos, o que dirá de tê-los ou vivê-los? Aí começa o problema.

Já estive num lugar de beleza quase mágica —as ilhas Marietas, na riviera Nayarit (México), a poucos minutos de barco praia de Punta Mita, e quase morri de enjoo. Enquanto as pessoas pulavam na água ou passeavam na praia, sonhava com um balde para me aliviar.

Não foi a primeira vez que fiquei mareado no paraíso. Mas que era lindo de ver, isto era.

Não posso me esquecer de paisagem bem diferente, mas que também descortina um horizonte de tirar o fôlego: as montanhas nevadas com suas pistas de esqui. Enquanto o mar nos hipnotiza pelo som, pelo rumor cadenciado das ondas, nas alturas revestidas do fofo manto branco, é o silêncio que impressiona.

Inebriante —até mesmo o céu, especialmente quando de um azul límpido, trespassando a luz do sol em contraste com o frio cortante. E olha que deste céu eu entendo.

Durante alguns anos fui ao Colorado, nos EUA —Aspen, Vail e Beaver Creek. Tentava esquiar e, quando conseguia por alguns minutos, era emocionante (a ausência de atrito dava a sensação de voar).

Mas, na maior parte do tempo, estava mirando o céu imenso, estatelado na neve ("ninguém conhece os céus do Colorado como eu", escrevi certa vez...). Mas que, de pé, a paisagem era linda e vasta, isto era.

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