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Descrição de chapéu stf

De advogado da Constituição a carcereiro de Lula?

Razão política por trás do recuo do PEN é a prisão do ex-presidente 

Felipe Recondo

O partido político que ajuíza no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação para questionar a constitucionalidade de uma lei torna-se uma espécie de advogado da Constituição, um guardião dos princípios que alicerçam o Estado. Mas o que faz o partido que inicialmente ajuíza uma ação para garantir o respeito à Constituição e depois recua para que o julgamento não beneficie este ou aquele cidadão?

O PEN, em 2016, protocolou a Ação Declaratória de Constitucionalidade 43 para que o STF confirmasse o que está previsto no artigo 283 do Código de Processo Penal: a pena criminal só pode ser executada depois do trânsito em julgado da ação penal condenatória. Ou seja, a execução da pena após julgamento em segunda instância seria inconstitucional.

Permitir a execução provisória da pena “significa levar às prisões brasileiras - às ‘masmorras medievais’ a que se referia o Ministro da Justiça [José Eduardo Cardozo]- milhares de pessoas que não deveriam estar lá”, argumentou o PEN na petição inicial da ADC 43.

Adilson Barroso gesticula durante palestra
Adilson Barroso durante palestra em Ribeirão Preto, interior de São Paulo - Joel Silva - 17.ago.2017/Folhapress

Nesta semana, depois da prisão do ex-presidente Lula, o mesmo PEN começou a recuar da argumentação e destituiu o advogado que havia pedido uma nova liminar no mesmo sentido da petição inicial. A razão política por trás desse recuo é a prisão do ex-presidente Lula e a interpretação de que a ação pode beneficiar o ex-presidente.

Nas palavras do presidente do PEN/Patriotas, Adilson Barroso, ao jornal O Estado de S. Paulo: “Se a lei é para todos, então ninguém podia achar ruim se ela está beneficiando Lula entre outras pessoas. Mas, infelizmente, como estão pensando que fiz especificamente para salvar Lula, então desejo que resolva isso depois. Não agora”.

A decisão do PEN e a motivação de cunho político faz lembrar um dos marcos da história do STF e fato relevante para o atual sistema de controle de constitucionalidade. Há 47 anos, o ministro Adaucto Lúcio Cardoso renunciou ao cargo por discordar de uma decisão do STF sobre a discricionariedade do procurador-geral da República de questionar ou não a constitucionalidade de uma norma baixada pelo Executivo.

No dia 10 de março de 1971, o STF julgou a Reclamação 849, cujo reclamante era o MDB (naquela época, oposição ao governo) e o reclamado, o procurador-geral da República, Xavier de Albuquerque. O partido havia encaminhado representação à Procuradoria-Geral da República, contestando a constitucionalidade do decreto que instituiu em 1970 a censura prévia no Brasil. Mas a legenda não podia contestar diretamente a norma no STF. Portanto, a dúvida era: o procurador podia arquivar a representação ou devia remetê-la para julgamento do Supremo?

A decisão do STF foi de que o procurador poderia funcionar como um gatekeeper e arquivar representações como estas do MDB. Diante do resultado, que restringia ao Ministério Público o poder de questionar a constitucionalidade de normas –não o MP independente de hoje, mas um Ministério Público que funcionava também como apêndice da Casa Civil– Adaucto Lúcio Cardoso se retirou do plenário e do Supremo.

A Constituição de 1988 mudou a realidade, permitindo que partidos, confederações e associações provocassem diretamente o STF para garantir o respeito aos princípios constitucionais.  Mas o recuo do PEN fala mal da legenda enquanto verdadeiro representante do interesse público na defesa da Constituição.

O PEN, ao ajuizar a ADC, buscava proteger o que entende como a melhor leitura da Constituição.

Independentemente de que lado o leitor esteja, a favor ou contra a execução provisória, é de se perguntar por que o PEN mudou de opinião? A Constituição e o Código de Processo Penal não mudaram de lá para cá. Ou o partido prefere simplesmente usar a prisão, que entende inconstitucional, para fazer política? A legenda deixa de ser advogada da Constituição para tornar-se, por interesses político-eleitorais, carcereira de Lula.

 

​P.S.: Hoje encerramos nosso encontro semanal com vocês, leitores da Folha. Foi um prazer e uma honra poder contribuir para tão prestigioso meio de comunicação durante o último ano. Seguiremos nosso trabalho exclusivamente no nosso site: www.jota.info

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