Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

A morte do jornalista que queria ver Telê Santana na Presidência da República

Alberto Dines era capaz de rir de si mesmo como poucos, uma das melhores qualidades de seu jeito judeu de ser

Sentava para almoçar em Madri quando recebi a notícia da morte de Alberto Dines. Ficamos amigos, também na Espanha, 36 anos atrás, quando ele cobriu a Copa do Mundo para edição brasileira de Playboy.
“Às cinco em ponto da tarde”, abriu sua reportagem com citação a Federico Garcia Lorca.

Todos os veículos do país deram à morte de Dines a devida importância ao seu papel na história da imprensa brasileira, embora nenhum mais lhe desse emprego, tão crítico sempre foi do desempenho de nossa mídia. Menos mal o reconhecimento na morte que faltou em vida.

Mas não quero tratar com amargor quem viveu com tanta alegria e graça, sem abandonar o rigor até ser praticamente destruído por um derrame cerebral dois anos atrás.

 

Quando o via depois do AVC saía de sua casa na torcida pelo alívio final. Nem por isso a notícia teve impacto menor e no cenário em que ficamos amigos, perto de uma loja de “El Corte Inglés” que ele adorava.

Chocado e comovido, lembrei do quanto rimos juntos em quase quatro décadas. Porque como bem lembrou alguém, Dines tinha uma gargalhada deliciosa.

Era capaz de rir de si mesmo como poucos, uma das melhores qualidades de seu jeito judeu de ser e, não pergunte por que, mas se divertia a valer por eu não levá-lo a sério na maior parte do tempo. Albertinho, como o chamava, era corajoso.

A ponto de assinar uma página para a revista Placar em que simplesmente propunha o nome de Telê Santana para a Presidência da República.

“Quero gente como Telê no comando de meu destino como cidadão. Nunca me obriguei a ser vitorioso. Em lugar algum de minha agenda está consignado ‘ganhar’. Abomino o triunfalismo imbecil e aplastador.

 Se vencêssemos esta Copa de 82 teria sido uma campanha sublime. Perdemos e com tamanha dignidade que roça na vitória. Gostaria de Telê como redator-chefe do jornal onde escrevesse, gostaria de Telê como amigo, para na hora do aperto me estimular para jogar como gosto de jogar. Telê é o grande espelho do nosso lado bom. Exatamente o que precisamos para recolocar a bola no centro e, sem olhar o marcador, partir para uma virada”, escreveu.

Lembremos, estávamos em 1982, teríamos eleições apenas para os governos estaduais e Telê acabava de ver seu time eliminado no que ficou conhecido como a “Tragédia de Sarrià” —a derrota para a Itália de Paolo Rossi por 3 a 2.

Estamos às portas de outra Copa e haja o que houver temos um técnico que também andou cotado para a Presidência, tão bem-sucedido tem sido seu trabalho. São poucas as semelhanças entre Tite e Telê, além das quatro letras, dos “Tês” e dos “es”.

Tite é professoral, bom político e ótimo treinador. Telê era igualmente ótimo treinador, péssimo político e apesar de chamado de mestre era mais da prática que da teoria.

Se em 1982 seria covardia comparar Telê com o ditador assassino Figueiredo, agora também será qualquer comparação entre Tite e o arremedo Temer, noves fora os “Tês”.

Tite pode não trazer o hexacampeonato, pode até decepcionar. Temer não decepciona, porque só quem não tem um mínimo de coisa na cabeça depositou alguma esperança nele.

Passar três semanas fora do Brasil, em férias, foi uma delícia e uma angústia. Delícia porque não houve desabastecimento  no caminho e angústia porque ver à distância o caos no país comprova o erro que foi trocar um governo legítimo, embora ruim, por outro, com a marca indelével da traição, sem legitimidade e pior, incomparavelmente pior.

Alberto Dines acabou poupado de ver este Brasil de Temer. Não perdeu nada. Perdemos nós alguém que cumpriu vida exemplar. Perdi eu um amigo querido. Como Audálio Dantas, tema de amanhã.

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