Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

O legado de Eurico Miranda

Ótima série da Globoplay conta, com rigor e delicadeza, a história do cartola

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Em cinco capítulos, dirigido por Rafael Pirrho, o documentário da Globoplay se esforça para ser equilibrado, dificuldade que vence apesar de tratar do mais desequilibrado de nossos cartolas, o caudilho, o folclórico, sanguíneo, o apaixonado Eurico Miranda.

Ninguém é 100% bom ou 100% mau é o mote da série, rica em depoimentos e em imagens dos melhores e dos piores momentos do Vasco durante quatro décadas em que o nome de um misturou-se ao nome do outro.

Se o resultado da simbiose foi melhor para o clube ou para Miranda é conclusão que o doc. deixa a cargo de quem o vê.

Ex-presidente do Vasco da Gama, Eurico Miranda, fuma charuto durante entrevista à Folha de S. Paulo, em São Januário, no Rio de Janeiro, em 2017
Ex-presidente do Vasco da Gama, Eurico Miranda, durante entrevista à Folha de S. Paulo, no estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, em 2017 - Ricardo Borges - 15.mar.17/Folhapress

De pronto, uma avaliação surpreenderá quem detesta o cartola: a doçura de Sylvia, a viúva, e dos quatro filhos, três homens e uma mulher.

Claro que se espera deles declarações amorosas, saudosas, comovidas. E é assim, delicadamente, que também revelam os exageros do personagem.

Hiperbólico por natureza, ele não poderia mesmo ser tratado de outra maneira, mas há uma tal compreensão entre os familiares, e uma clareza sobre de quem falam, que Eurico faz no mínimo cinco gols com seus extensos e bem editados depoimentos.

Some-se a isso o que dizem figuras como Romário, o jornalista Roberto Garofalo, ex-assessor de imprensa do clube, e ele sai com clara vantagem nos três episódios iniciais, para que haja a devida compensação nos dois derradeiros.

Alguém poderá dizer que a série, como este texto, é benevolente, porque é habitual transformar o diabo em santo depois de morto no Brasil.

Que a rara leitora e o raro leitor a vejam, e leiam até o fim, para constatar que não.

Pois se é necessário respeitar quem não está mais aí para se defender, canonizar os que não merecem seria pecado jornalístico mortal.

Ainda mais em país de hímen complacente, em que a corrupção e negociações espúrias, ou imorais, são naturalizadas, porque assim sempre foi e sempre será, desde a pirataria do Reino Unido e da acumulação primitiva de capital.

Daí virar moralista quem defende a honestidade etc.

Eurico Miranda levou o Vasco a grandes conquistas e é o maior responsável pela decadência cruzmaltina.

Trouxe Roberto Dinamite de volta do Barcelona e tirou Bebeto do Flamengo, além de títulos da Libertadores, Mercosul, campeonatos Brasileiros e Cariocas.

Morreu brigado com Dinamite e sob oposição de Edmundo, ambos muito mais idolatrados pelos cruzmaltinos que Romário.

Ao agir como dono do Vasco, daí a ironia de ser contra a ideia das SAFs, envolveu o clube em mirabolante projeto olímpico que contribuiu fortemente para o endividamento impagável em que mergulhou.

Duvidar de seu amor ao Vasco quem há de? Nem os charutos foram vício mais duradouro, embora letal.
Inegável que se serviu mais do Vasco que o serviu, como tantos outros cartolas que ainda estão por aí —e até o tem como exemplo.

Ao morrer aos 76 anos, em 2019, como um "leão sem dentes" segundo o repórter Tino Marques ouviu de uma fonte, e com suas últimas imagens públicas já de alguém muito debilitado pelo câncer nos pulmões e no cérebro, seu enterro aconteceu para duas centenas de devotos.

Infelizmente era impossível ser apenas adversário de Eurico Miranda. Virava inimigo.

Porque ele não media palavras nem consequências na divergência —e sempre encontrava espaço para destilá-las no baixo clero da mídia.

Obviamente, não é o caso da Globoplay.

Erramos: o texto foi alterado

Ao ser publicado, este texto deixou de informar que o autor Juca Kfouri participa da série "A Mão do Eurico" como entrevistado.

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