Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

Era uma vez uma escrita no estádio de Itaquera

Começou em 2014, acabou em 2024. E pode influir na decisão da Supercopa do Brasil

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"Que tem caráter sagrado; que é proibido; que não pode ser feito ou pronunciado por ferir o pudor, a moral, os costumes."

É o que diz o dicionário sobre tabu.

"Entre certos povos, proibição geralmente de inspiração religiosa, de atos ou comportamentos considerados impuros, danosos etc."

É o que ensinava a antropóloga e professora Ruth Cardoso em suas brilhantes aulas na USP nos anos 1970.

Em 1968, no Pacaembu, por 2 a 0, o Corinthians havia quebrado o "tabu", segundo a imprensa esportiva, depois de quase 11 anos sem vencer o Santos do Rei Pelé.

Folha de S.Paulo de 7 de março de 1968, que relata a vitória do Corinthians sobre o Santos em 6/3/1968; jogo quebrou um tabu de 11 anos no Campeonato Paulista
Relato da Folha sobre a vitória do Corinthians em 1968 - Reprodução - 7.mar.68/Folha de S.Paulo

Comemorou-se, então, como um título, e a Fiel saiu do estádio cantando alegremente "um, dois, três, o Santos é freguês" —algo que soava surreal.

Dona Ruth, que viria ser a primeira-dama do Brasil por oito anos, rejeitava a maneira como a imprensa tratava o termo e ensinava, como o filólogo Antônio Houaiss, que tabu era uma coisa e escrita, outra: "O que constitui uma rotina ou aparenta constituir uma rotina". Aliás, ela rejeitava, também, a "primeira-damice".

Sim, não estava proibido que o São Paulo vencesse o Corinthians em Itaquera, embora parecesse, depois de 18 jogos e quase dez anos. Era apenas uma rotina que, agora, só aparentava ser.

Porque o tricolor a quebrou com autoridade diante de 43 mil fiéis na última terça (30).

Só mesmo um bobo da racionalidade para diminuir o significado da vitória para os são-paulinos ou o da derrota, por 2 a 1, para os corintianos.

Basta constatar como os jogadores do Morumbi comemoraram o triunfo e enterraram de vez discursos dissimulados de que escritas não incomodam os profissionais da bola. Até prêmio extra receberam.

E como os do Parque São Jorge lamentaram o fracasso diante do rival.

O futebol, felizmente, é feito de momentos como os vividos anteontem, que, às vezes, valem mesmo como uma taça.

Os corintianos sabem de cor a história dos gols de Paulo Borges, que veio do Bangu, e de Flávio, que veio do Internacional, em 6 de março, há 56 anos: "Com Pelé e com Edu, quebramos o tabu", celebraram em coro os corintianos que nunca frequentaram as aulas de antropologia, mas são doutores no vocabulário da crônica esportiva.

Os tricolores não saíram em coro de Itaquera porque, agora sim, estavam proibidos de ir ao estádio pela lei da torcida única, embora duas torcidas no mesmo palco não firam o pudor, a moral e os costumes, a não ser os dos puritanos, moralistas e autoritários.

"A escrita já era, acabou em Itaquera", poderiam festejar na casa do adversário.

Porque mereceram, porque foram superiores e porque o novato Thiago Carpini tem nas mãos elenco desproporcionalmente melhor que o do experiente Mano Menezes, autor da primeira e da última linha da escrita que virou página virada.

No domingo (4), o Palmeiras que se cuide.

Calleri celebra o primeiro gol do São Paulo - Jhony Inacio - 30.jan.24/Ag. Enquadrar/Ag. O Globo

TOC, TOC

Que as redes sociais são-paulinas brinquem com o fim da escrita, tudo bem.

Que o governo federal zoe com a ida da PF à casa do ex-presidente é erro político e, mais grave, nada republicano.

Tivesse o PT zoado, seria compreensível, até engraçado. A Secom, não.

Devolver as práticas odiosas dos bolsonaristas na mesma moeda é dar tiro no pé, porque o papel da Secretaria de Comunicação deve ser o de trabalhar contra a polarização em vez de apimentá-la.

A brincadeira infeliz só fez introduzir um ruído no que, por si só, foi um grande dia…

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