Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

A sorte de morrer no Brasil

Vivemos num país em que a morte é quase sinônimo de santificação. Melhor assim?

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Quando morreu Carlos Lacerda (1914-1977), ex-governador da Guanabara (1960-1965), articulador do golpe de 1964, de verve implacável e orador de primeira, saído do PCB para virar líder de extrema direita, o imortal Henfil escreveu que não reconhecia a figura dele nos obituários publicados na imprensa nacional: "O Lacerda que conheci era outro".

A morte de Zagallo proporcionou textos semelhantes, embora ele, sim, tenha contribuído para a alegria dos brasileiros.

Inegável ser o único tetracampeão mundial; verdade que foi além de herdar as "Feras do Saldanha" –e está aí Doutor Tostāo para testemunhar com régua e compasso–, como é fato ter sido um ponta-esquerda com linda história no Flamengo e no Botafogo.

Apenas pareceu haver constrangimento em citar como a sorte o protegeu de maneira tal que o 13 virou a marca de sua superstição, sem nada a ver com o PT…

Zagallo exibe camisa da seleção brasileira com o número 13 - Lucas Figueiredo/CBF

Porque Canhoteiro e Pepe eram melhores.

O primeiro desdenhou da seleção em 1958, e o segundo se machucou, o que permitiu a Zagallo jogar a Copa na Suécia como titular, quando salvou um gol na final e fez outro no estonteante 5 a 2.

Também em 1962, no Chile, o titular seria Pepe, que novamente se machucou e deu lugar ao alagoano, que fez gol na estreia contra o México, 2 a 0 —o primeiro tento brasileiro na campanha do bicampeonato.

E sorte igual veio na recusa de Dino Sani em assumir a seleção do tri como substituto de João Saldanha, às vésperas da Copa de 1970.

Sani, um dos poucos sobreviventes do time de 1958, no qual era titular, jogou como tal nos dois primeiros jogos, machucou-se às vésperas do terceiro, diante da União Soviética, e Zito lhe tomou a vaga.

Sani brilhava como treinador, em início de carreira, no Corinthians, quando convidado para assumir a seleção.

Ele garante que não aceitou por lealdade ao amigo Saldanha, embora haja quem diga que a recusa se deveu ao fato de achar que não estava maduro para o cargo.

Zagallo, também em 1970, era a segunda opção.

Estrela é para quem tem e soube aproveitá-la, sem dar chances ao azar.

De tudo o mais estranho foi o silêncio em torno dos 500 mil dólares que Zagallo recebeu da Federação Líbia de Futebol para a realização de um amistoso da seleção, jamais cumprido, no país do então ditador Muammar Gaddafi —ele dizia ter sido dinheiro como pagamento de entrevista dada para um documentário, em 1995.

Ouvido por esta Folha, em 2002, Zagallo declarou: "Não sei se fizeram um livro, um filme, não importa. Até porque, se fizeram, eu não falo árabe e não entenderia nada. Se me pagaram US$ 500 mil, sorte minha. Ninguém tem nada com isso. Só sei que não foi para marcar amistoso para o Brasil. Quem fazia isso era o presidente da CBF. Minha função era dirigir o time, dá para entender?".

Para que a rara leitora e o raro leitor tenham ideia, Barack Obama cobra, hoje, 400 mil dólares para palestrar.

Tudo isso para dizer que Zagallo levou à enésima potência a frase de Nelson Rodrigues: "Sem sorte não se chupa nem um Chicabon. Você pode engasgar com o palito ou ser atropelado pela carrocinha".

Zagallo não engasgou –ao contrário, fez-se engolir– nem muito menos, felizmente, foi atropelado.

Ao contrário, entrou para a história como um dos maiorais do futebol.

Precisava registar ao voltar das férias.

Viva, São Paulo! Que entre no 471º ano em melhores mãos.

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