Juliana de Albuquerque

Escritora, doutora em filosofia e literatura alemã pela University College Cork e mestre em filosofia pela Universidade de Tel Aviv.

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Juliana de Albuquerque
Descrição de chapéu guerra israel-hamas

Me senti em campo minado ao dar aula sobre história judaica

Todo o semestre letivo deverá ser difícil, porque não me sinto preparada para discutir com alunos Guerra Israel-Hamas

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Outro dia, no Twitter, o rabino Mordechai Lightstone sugeriu que, em vez de passarmos boa parte do nosso tempo nas redes sociais, consumindo toda espécie de discurso de ódio e nos deixando influenciar pelo medo, tentássemos encontrar algo para fazer que pudesse preencher o nosso cotidiano de sentido, como afixar uma mezuzá na porta de casa ou simplesmente participar de uma refeição de shabat.

A mensagem do rabino se refere ao fato de que judeus do mundo todo estão se sentindo ameaçados pelas demonstrações de antissemitismo das quais tivemos notícias desde o início da guerra de Israel contra o Hamas, a exemplo do que aconteceu na Rússia, no último dia 29, quando uma multidão invadiu o aeroporto da cidade de Makhatchkala com a intenção de perseguir e linchar os passageiros judeus de um voo que acabara de aterrissar, vindo de Tel Aviv.

Soldados israelenses em colina próxima à fronteira com a Faixa de Gaza - Yuri Cortez - 31.out.23/AFP

Lembrei-me do conselho do rabino porque ontem à noite recebi o telefonema de uma colega perguntando como eu estava lidando com tudo isso que está acontecendo. Juntas, somos responsáveis por ministrar algumas aulas sobre pensamento judaico e literatura do testemunho do Holocausto para estudantes da graduação em língua e literatura alemã aqui na universidade.

A ideia de oferecermos essas aulas surgiu da necessidade que sentíamos de tornar os estudantes mais familiarizados com a cultura judaica, em uma tentativa de remediar algumas das lacunas que percebíamos existir ao tentarmos lidar em sala de aula com temas relacionados ao judaísmo.

Desde o último ano do meu doutorado, tenho ministrado aulas sobre autores como Moses Mendelssohn, Rahel Varnhagen, Heinrich Heine, Hannah Arendt, Gershom Scholem e Jean Améry, na esperança de que, em algum momento, os meus estudantes passem a melhor compreender aspectos da história e da cultura judaicas nos países de língua alemã, bem como desejando que, finalmente, percebam o antissemitismo enquanto um problema real, que continua a atingir indivíduos de carne e osso.

Assim, quando a minha colega perguntou como estou me sentindo diante dos acontecimentos dos últimos dias, respondi que nunca senti tanto receio de entrar em uma sala de aula como na última quarta-feira, quando precisei introduzir os estudantes à história da emancipação dos judeus na Alemanha, pois me senti como se estivesse caminhando por um campo minado, sem saber se, em algum momento, a minha aula seria interrompida por um aluno que me olhava como se estivesse apenas aguardando a oportunidade certa para criar uma confusão.

A aula de quarta-feira não foi fácil e, tenho para mim, que a minha aula desta semana, bem como todas as outras aulas deste módulo, até o final do semestre letivo, serão igualmente difíceis, pois, nesse turbilhão, eu ainda não me sinto preparada para entrar em uma discussão com os meus alunos nem sobre o que anda acontecendo no Oriente Médio, nem sobre as possíveis consequências negativas do conflito no cotidiano dos quase 2.700 judeus que compõem a população da Irlanda.

Quem acompanha os meus textos para a Folha já deve ter percebido que gosto de pensar longa e demoradamente sobre temas difíceis e controversos, sem necessariamente me deixar levar pela polêmica. Gosto de dialogar e de entender como as coisas funcionam, e, por isso, não enxergo muita vantagem em simplesmente reagir aos acontecimentos de modo irrefletido, sem lançar qualquer apelo à razão.

É por isso que, nos últimos dias, acabei resolvendo adotar uma versão secular do conselho emitido pelo rabino Mordechai Lightstone. Isto é, estou evitando passar muito tempo nas redes, a consumir indiscriminadamente todo e qualquer tipo de conteúdo sobre o conflito no Oriente Médio.

Assim, quando já não suporto acompanhar as notícias sobre a guerra, desligo a televisão, fecho o jornal e vou ler um livro. Se a leitura não ajudar, saio de casa e faço uma corrida. Se o receio de que a minha comunidade venha a sofrer alguma violência não me deixar correr direito, interrompo a marcha e troco mensagens com um amigo ou volto direto para casa e vou brincar com o meu gato, o Sardinha, na esperança de aprender com ele uma ou duas lições sobre a prudência.

Afinal, somente a prudência será capaz de nos resgatar do abismo moral em que estamos prestes a cair uma vez mais em nome de causas que consideramos justas, mas que, infelizmente, ainda não aprendemos a defender corretamente.

Precisamos nos esforçar para aprender a defendê-las de modo tal que as nossas atitudes não afetem negativamente ou, finalmente, acabem destruindo tudo aquilo que valorizamos e achamos ter por objetivo defender.

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