Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Evangélicos perdoam Milton Ribeiro

Manchete nos noticiários nacionais, a prisão do ex-ministro de Bolsonaro repercute pouco entre evangélicos pobres

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Na série "Stranger Things", o "mundo invertido" é um reflexo distorcido do mundo real. Aproveito esta metáfora para sugerir pensarmos no "Brasil invertido", um lugar que existe no Brasil mas que é, ao mesmo tempo, a imagem invertida do país, onde a maioria das pessoas tem títulos universitários, fala língua estrangeira, usa serviços de saúde e de educação privados, e se comunica por um dialeto chamado "escrita" que o brasileiro comum não domina. Isso cria a falsa impressão de que o assunto que repercute dentro dessa "bolha" está repercutindo no Brasil.

A prisão do ex-ministro Milton Ribeiro foi noticiada à mancheia no "Brasil invertido". Mas, a menos de cem dias da eleição, vale perguntar: esse evento e o tema mais amplo da corrupção estão ecoando entre evangélicos, especialmente os pentecostais, a maioria deles pobre, que são, entre evangélicos, os apoiadores mais numerosos do presidente hoje?

Para escrever as considerações a seguir, fiz uma micropesquisa de campo entrevistando cinco evangélicos pentecostais com quem formei, ao longo de muitos anos, vínculos de confiança necessários para se ter conversas honestas sobre questões delicadas. Eles têm entre 30 e 60 anos; três são mulheres e dois são homens. Usei como dados para a análise a seguir essas interações e o conteúdo em vídeo que alguns deles compartilharam comigo a partir de grupos privados de WhatsApp.

Milton Ribeiro, ex-ministro da Educação
Milton Ribeiro, ex-ministro da Educação, foi preso na investigação de corrupção no Ministério da Educação, mas fato passou despercebido para a maior parte dos evangélicos - Evaristo Sa - 4.fev.22/AFP

Das cinco pessoas entrevistadas, uma falou espontaneamente —sem ser estimulada— sobre o caso de "evangélicos perseguidos" que ela assistiu no "Jornal Nacional". Mas ela não sabia o nome do pastor Milton Ribeiro e que ele foi ministro da Educação. Os outros quatro disseram que ouviram falar sobre o escândalo em seus grupos de WhatsApp, mas que deram pouca atenção ao tema e que a notícia não gerou debates entre seus pares.

Meus entrevistados estão mais convencidos que reeleger Bolsonaro é melhor do que trocá-lo por seu principal desafiante, o ex-presidente Lula. Para eles, ainda vale mais a pena ter um mandatário que defende as igrejas evangélicas e valores morais conservadores. E os assuntos mais relevantes da pauta moral são: não ampliar a legislação sobre o aborto e evitar que crianças aprendam sobre gênero e sexualidade nas escolas.

Em sintonia com o que as pesquisas recentes apontam, minhas fontes estimam que entre 20% e 30% dos evangélicos de seus círculos de relacionamento apoiam mais ou menos abertamente, em suas igrejas, a candidatura do PT. Esses defensores de Lula argumentam pelo retorno à trilha de conquista de direitos para os pobres, dizem preferir que a igreja se distancie das questões políticas porque isso estaria sujando a reputação dos evangélicos no país. Eles entendem que as questões morais não serão afetadas no caso da vitória de Lula porque são assuntos do âmbito privado, definidas pela família em casa.

O grupo mais homogeneamente e abertamente crítico a Bolsonaro é o de evangélicos estudantes universitários. As lideranças das igrejas são quase exclusivamente apoiadoras e promotoras de Bolsonaro.

Corrupção é um assunto importante para esse grupo, apesar de as denúncias contra o ex-ministro da Educação terem repercutido pouco nos círculos sociais dos meus entrevistados. A corrupção política é mencionada em vídeos como consequência da corrupção moral do PT, geralmente ligada à discussão sobre gênero e aborto.

Meus entrevistados indicaram como exemplos recentes desse conteúdo: o anúncio de que um líder proibiu Lula de visitar igrejas da Assembleia de Deus e a repercussão da recusa da cantora gospel Bruna Karla ao convite para ir ao casamento de um amigo gay.

Vários desses achados preliminares —como o apoio maior a Bolsonaro— vão ao encontro do que é conhecido. E o dado sobre a prisão do ex-ministro serve, pelo menos, para a gente atentar para uma "ilusão de classe" recorrente de quem vive no "Brasil invertido".

A maioria dos brasileiros não é audiência nem forma suas opiniões a partir dos canais de notícia usados pelos brasileiros mais escolarizados. O que é tempestade entre os 12% capacitados para ler livros, pode ser garoa em outros estratos mais numerosos. Isso é importante para se levar em conta no contexto eleitoral.

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