Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Deus o livre do gospel?

Tudo o que você precisa saber sobre música gospel, mas tem vergonha de perguntar

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É difícil exagerar a importância da música gospel para pensar sobre o crescimento do cristianismo evangélico no Brasil. E é difícil também escolher um tema que, tendo essa importância, continua amplamente desconhecido entre brasileiros mais escolarizados. Por isso, ofereço esta introdução.

Se o mundo evangélico é, por natureza, complexo e variado, a música gospel é um dos elementos que interconecta quem faz parte desse segmento. Ela está presente nos cultos, ela leva um pouco do culto para a vida do crente fora da igreja e promove temas cristãos para quem não frequenta igrejas.

Show gospel em Marcha para Jesus realizada no sambódromo do Anhembi, na zona norte de São Paulo - Jardiel Carvalho - 2.nov.21/Folhapress

"Embora o gospel esteja no cotidiano da maior parte da população brasileira, mesmo a não evangélica, a classe média e segmentos mais intelectualizados, não religiosos, não cristãos conhecem muito pouco esse fenômeno cultural e econômico", avalia a antropóloga Christina Vital da Cunha, da UFF (Universidade Federal Fluminense).

Mas o gênero pode surpreender quem se interessa por ele. Uma pesquisadora que estuda o tema do cristianismo evangélico ficou impactada com o repertório. "Comecei a ouvir e foi um dilema para mim," ela conta, "eu nunca tinha ouvido gospel, até debochava das músicas, mas passei a ouvir louvores por vontade própria e hoje escuto muito".

O que se conhece com essa tarja de gospel emergiu e se tornou popular no Brasil desde a virada do século 20 para o 21. E hoje esse gênero se tornou o mais popular do país depois do sertanejo.

É antiga a relação entre música e cristianismo. Muitas igrejas oferecem aulas de música para crianças e adolescentes. Esses cursos representam ocupação durante o contraturno escolar para quem vive em bairros sem outras alternativas de atividades. E esse aprendizado pode evoluir para se tornar uma profissão.

"Tenho vários alunos que entraram na faculdade de música via ensino em igrejas," conta o cientista político Vinicius do Valle, autor de "Entre a Religião e o Lulismo", e professor em uma universidade privada. "A partir das igrejas, eles foram para escolas de música, para o projeto Guri. Alguns entraram em faculdades ou na Emesp (Escola de Música do Estado de São Paulo)."

Mas o que faz uma música ser chamada de gospel? "A categoria está relacionada sobretudo às experiências religiosas e à espiritualidade afro-americanas, contando com canções sobre liberdade e misericórdia divina," explica a antropóloga Márcia Leitão Pinheiro, da UENF, "mas a ampliação do campo evangélico no Brasil aproximou desse gênero estilos musicais populares para difundir mensagens de evangelização e louvor".

A jornalista Magali Cunha estudou o fenômeno gospel durante o doutorado e publicou seus achados no livro "Explosão Gospel". Ela conta que antes dos anos 1990 a música cristã no Brasil incluía principalmente corinhos, música de introspeção e hinos que vieram com missionários internacionais.

"O gospel chega trazendo a adesão à música pop bem como a outros gêneros populares como o pop rock, antes demonizados," ela explica.

A partir do gospel, a música cristã transborda para fora das igrejas e mesmo dos ambientes evangélicos.

"A disseminação dessa música pelo mercado de massa ajudou na formação de uma vivência religiosa menos institucionalizada," explica Olívia Bandeira, pesquisadora do Laboratório de Antropologia da Religião da Unicamp. "Muitos ouvintes desenvolvem sua espiritualidade por meio da música, sem necessariamente frequentar as igrejas. Isso amplia os espaços em que a religiosidade está sendo formada e vivenciada."

Hoje, o termo música gospel está sendo revisto. O cantor e compositor Marcos Almeida propõe o uso do termo cena gospel para agrupar as músicas de teor religioso que circulam no meio evangélico.

"Música gospel no Brasil identifica alguma coisa genérica dos evangélicos," argumenta, "mas na ‘cena gospel ’existe uma diversidade de artistas, de sonoridades variadas que exprimem tipos distintos de discurso religioso".

Se você ficou curioso/a para conhecer mais, procure no Spotify a playlist música gospel popular brasileira, um pot-pourri bem variado do gênero feito para acompanhar este artigo.

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