Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Volta de Michelle é cortina de fumaça ou início de carreira política?

Para antropóloga, ex-primeira dama pode ter apoio fora do campo cristão

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O clã Bolsonaro, orientado pelo estrategista Steve Bannon, recorre frequentemente a manobras diversionistas com mentiras para mudar o foco do debate. Neste momento há um esforço para consolidar a formação de um núcleo bolsonarista no Senado. A notícia sobre Michelle sair candidata seria, então, uma isca para desviar a atenção pública da tragédia dos yanomamis e sobre o que aconteceu em Brasília no dia 8 de janeiro?

Pode ser. Mas falar sobre a possível candidatura de Michelle dá a oportunidade para examinar a relação dela com suas prováveis eleitoras: mulheres evangélicas pentecostais e neopentecostais. E também para falar sobre a perspectiva de a ex-primeira dama e Bolsonaro seguirem caminhos independentes na vida e na política.

A teóloga pentecostal e professora universitária Regina Fernandes avalia que a postura machista de Bolsonaro dificultaria uma eventual entrada de Michelle na política. Ela especula que o ex-presidente "pode boicotar o projeto ao ver Michelle recebendo mais atenção do que ele".

Regina aponta outro desafio: como candidata, a ex-primeira dama terá que mudar sua imagem de mulher submissa. "Até agora ela se apresentou como esposa boazinha, de cabeça baixa, e isso ajudou que ela fosse admirada e inclusive ganhasse votos de evangélicas para o marido. Mas, se ela se apresenta agora como ‘cabeça’, inclusive do marido, isso provocará estranhamento entre evangélicas."

Apesar dessas dificuldades, a professora da UnB Jacqueline Teixeira, que estuda mulheres evangélicas, avalia que a ex-primeira dama tem força para disputar uma eleição mesmo que ela e Bolsonaro se divorciem. "Michelle se tornou ainda mais conhecida e admirada ao fundar o movimento Mulheres com Bolsonaro. Seu carisma e popularidade como mulher cristã a permite construir uma carreira política sem depender da figura de Bolsonaro."

Jair e Michelle Bolsonaro em 2022 - Adriano Machado - 6.out.22/Reuters

Para Jacqueline, "tudo indica que ela investirá nesse projeto e talvez isso ocorra mediante uma candidatura ao Senado pelo Distrito Federal, seguindo o exemplo de Damares Alves". E ela lembra que a ex-primeira dama é natural de Ceilândia. "É a maior região administrativa do DF, que está entre as mais precarizadas. Uma possível candidatura pode ter apoio mesmo fora do campo religioso cristão".

Para o cientista político Miguel Souza, que também é evangélico, Michelle teria condições de disputar a Presidência. "Ser candidato a presidente envolve negociar um arco de alianças complexas, mas, se ela for bem apresentada, é um nome viável. Na América Latina já tivemos a Evita Perón. Ela pode ocupar esse espaço —da esposa que dá continuidade ao trabalho do marido— na imaginação dos eleitores da extrema direita."

Perguntei sobre Michelle a uma interlocutora de 62 anos, pobre e preta, que passou a vida adulta frequentando uma Assembleia de Deus na periferia de Salvador. Ex-eleitora do PT, em 2018 ela votou em Bolsonaro e, em 2022, repetiu a escolha por causa da ex-primeira dama, que ela descreve como "esposa exemplar" e "serva do senhor". Ela respondeu que Lula é o presidente do Brasil e, por isso, hoje ela está orando por ele, mas não esconde seu incômodo: "Eu disse que crente não ia ter vez nesse governo".

As mulheres de sua igreja estão circulando trechos de vídeo mostrando a presença da religiosidade de matriz africana no Planalto. "Quando Michele chamava a Deus do jeito dos crentes, era um escândalo," ela reclama. "Mas agora a nova primeira-dama tem sua religião e ninguém critica."

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