"Não sei se fui escolhida pra passar uns perrengues extras, mas todos os lados atiraram em mim", expressou por WhatsApp a escritora evangélica negra Ana Staut. "Comigo, a perseguição religiosa foi do mesmo nível que o racismo."
Recebi essa mensagem junto com o desabafo de uma socióloga —que pediu para não ser identificada e que chamarei de Elisa. Ela disparou: "Dizem que antropólogos têm mente aberta. Para mim eles são grossos!".
Assim como muitos cientistas sociais que estudam religião, Elisa nasceu num lar religioso, no caso dela, pentecostal. Mas, diferentemente de muitos de seus pares, ela resiste a abrir mão da igreja para abraçar apenas a universidade ou vice-versa. Quer continuar crente e socióloga.
Tentei contratá-la para trabalhar como pesquisadora no início do ano. Ela recusou a oportunidade e o dinheiro para poder cursar um programa de mestrado em uma universidade federal. Mas seu entusiasmo vem sendo substituído por frustração.
"Aqui todos se orgulham de a universidade ter adotado a política de cotas antes da Unicamp ou da USP", diz. "Mas as pessoas negras são excluídas socialmente pelas narrativas e referências que trazem de suas origens como pessoas pobres e periféricas."
O racismo à brasileira foi teorizado, por exemplo, pelo sociólogo Florestan Fernandes. Aqui, o ataque a pessoas pretas geralmente acontece por critérios como gostos para música, roupas ou comida, pela religiosidade (ou ausência dela) e pela escola onde estudaram —pública ou privada.
Esses e outros elementos são parâmetros para definir a classe social. E pessoas periféricas —inclusive evangélicos— incomodam ao ocupar um espaço historicamente das camadas médias e altas: a universidade.
"Eles gostam de crente ‘mundano’. Não vejo tratarem mal o evangélico histórico, de classe média e branco, mas maltratam quem destoa dos comportamentos ‘típicos’ do universitário e, por exemplo, não bebe ou tem outra visão sobre sexo."
Pentecostais são o grupo evangélico mais popular entre brasileiros pobres. Se diferenciam pela fé à flor da pele e pelo senso de dignidade moral. Mas Elisa incomoda ainda mais por ser de uma megaigreja, geralmente apresentada pelo jornalismo como um supermercado da fé.
Elisa conta que convive na universidade com pessoas brancas que são defensoras dos pretos de axé. "Elas me odeiam porque eu sou crente. Parece que sentem que podem ser racistas comigo por causa da minha fé. Que podem rir de mim na minha cara, me excluir e fazer com que eu me sinta tão burra e indesejada a ponto de querer ir embora. Está sendo punk demais. Deus vai ter que me dar força."
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