Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Iniciativa quer criar 'MEI' dos ministros religiosos

Ideia para aproximar esquerda da massa evangélica vem do movimento Cristãos Trabalhistas

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O pastor Alexandre Gonçalves não tem muita paciência quando escuta que a esquerda gostaria de dialogar com evangélicos. Em conversa recente, ele desabafou: "Olha, eu desisto dessa cantilena. Não tem de se aproximar de lideranças evangélicas, mas sim do povo, da massa cristã." Cantilena quer dizer palavreado astucioso para iludir, enganar.

Alexandre representa uma combinação de experiências raras e muito necessárias neste Brasil dos extremos. Além de pastor de uma igreja pentecostal —a principal igreja pentecostal para afrodescendentes nos EUA—, ele é policial rodoviário federal e fundador do movimento Cristãos Trabalhistas, do PDT. Ou seja, é evangélico, trabalha com segurança pública e é alguém publicamente de esquerda. Ele diz com clareza o que pensa, inclusive para defender terreiros de candomblé atacados por evangélicos.

Para a esquerda dialogar com a massa cristã, o movimento Cristãos Trabalhistas propõe que o ministro religioso possa atuar como uma espécie de microempreendedor individual (MEI). Ao pagar R$ 78 por mês, ele ou ela poderão desfrutar de direitos como licença saúde, licença gestante e aposentadoria de um salário mínimo. No Brasil, a maioria dos ministros religiosos —de qualquer religião, inclusive pais e mães de santo— não tem direito a proteção previdenciária.

Nos comentários da minha última coluna nesta Folha, um leitor se referiu ao trabalho de pastor como "a profissão mais rentável dos últimos tempos". Só quem está desconectado do mundo popular diz isso.
Em 2020, pesquisa Datafolha descreveu a cara do evangélico brasileiro como sendo pobre, preta e periférica. E, segundo estudo do Ipea coordenado por Fernanda de Negri, as igrejas que se multiplicam mais rapidamente no país não têm denominação conhecida, ou seja, são as igrejas pequenas que estão nos bairros pobres que crescem desde os anos 1950 nos arredores das cidades.

Igreja evangélica em um bairro periférico
Igreja evangélica em um bairro periférico - José Tramontin/Flickr

A atriz e escritora Fernanda Torres fez uma autocrítica em sua recente participação no Roda Viva, da TV Cultura. Em 1997, ao ser questionada, no mesmo programa, se tinha algum preconceito, respondeu ter preconceito "contra crente", fala que se tornou meme e continua sendo usada para ridicularizar evangélicos nas redes sociais. "Jamais repetiria isso hoje. Os evangélicos ocuparam um lugar que o Estado não ocupou", disse Fernanda no Roda Viva de 8 de janeiro.

A esquerda e o campo progressista precisam refletir sobre o que significa defender pautas como inclusão e diversidade no contexto do Brasil real. E a partir de ações, como Alexandre propõe, dizer a esses ministros, inclusive os evangélicos, que eles merecem respeito e atenção.
spyer@uol.com.br

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