Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio

No afã de fazer um estádio padrão Fifa, perdeu-se a memória do Maracanã

Para o esquecimento foram enviados uniformes, histórias, fotos e o pé de Marta

O Maracanã no início de 2013, em obras para sediar a Copa do Mundo de 2014
O Maracanã no início de 2013, em obras para sediar a Copa do Mundo de 2014 - Ricardo Moraes - 22.fev.2013/Reuters

Marta já era melhor do mundo quando foi convidada a deixar a marca de seus pés no Maracanã, durante o Pan de 2007. Esse fato reproduzia uma criação estadunidense de dar visibilidade a celebridades do cinema e do esporte. O Rio vivia o frisson de um médio evento que pretendia ser a porta de entrada para o mega sonho olímpico.

Antes disso, porém, a Copa do Mundo atrairia as atenções de brasileiros e estrangeiros. O 7 a 1 seria apenas um detalhe a ser esquecido, não fossem tantas outras questões pouco evidenciadas à época.

Entre as ações a se lamentar está a transformação do histórico estádio Célio de Barros em estacionamento. Pouco importou o protesto de atletas, técnicos e da comunidade esportiva sobre o apagamento da memória e do lugar onde foram materializados feitos de Aída dos Santos, José Telles da Conceição, Nelson Prudêncio, Silvina Pereira, Adhemar Ferreira da Silva, André Domingos, Wanda dos Santos, Edson Luciano, Robson Caetano e tantos atletas e medalhistas olímpicos. 

O Célio de Barros era um monumento que ruiu sob o rolo compressor de interesses que pouco ou nada tinham de relação com o esporte. Os negócios do futebol tinham pressa. Um estádio histórico e seu acervo pouco ou nada valiam dentro daquela lógica. E assim perdeu-se um monumento esportivo e também todo um acervo relacionado ao atletismo. Apagaram-se também vestígios como a marca dos pés da campeã Marta, uma vez que o velho Maracanã teve que ser repaginado para atender às exigências dos donos da bola.

No afã de fazer “benfeita” a lição de casa que exigia um estádio padrão Fifa escondeu-se, perdeu-se, sem critério nem cuidado, a memória do mais carismático estádio brasileiro. Para o esquecimento foram enviados uniformes, histórias, fotos e o pé de Marta, impresso no cimento. Esse seria mais um fato para se esquecer não fosse a façanha histórica desse símbolo vivo do futebol feminino conquistar pela sexta vez o título de melhor do mundo, fato nunca antes realizado por outra mulher ou homem. Digno de nota.

Digno de registro. Digno de respeito porque, independentemente de qualquer outra façanha que ela realizar, Marta já é imortal.

Isso mesmo. A rainha já não precisa mendigar reconhecimento e respeito. O mundo da bola está a seus pés, assim como a placa de cimento perdida.

Marta conquistou em 2018 seu sexto prêmio de melhor jogadora de futebol do mundo
Marta conquistou em 2018 seu sexto prêmio de melhor jogadora de futebol do mundo - Zanone Fraissat/Folhapress

Porém, os donos de interesses comercias, desprovidos de valores e de moral, tentam fazer de conta que a história não foi bem essa. Envelopam o Maraca, com o patrocínio de...; fazem uma nova placa, com apoio de...; chamam a atenção da mídia internacional para o novo velho centro de memória, com a ajuda de..., mas, respeito que é bom não se compra, se conquista.

Marta é maior que tudo isso. 

Ela não precisa ganhar mais nada, provar mais nada. Na condição de campeã suprema ela só precisa ser venerada, respeitada, porque sua história já está impressa nos anais e na memória do esporte mundial.

Os cuidadores da memória do esporte olímpico é que deveriam fazer um mea culpa, não apenas em relação ao sumiço da placa. É tempo de resgatar a discussão sobre o Célio de Barros e tudo o que envolve a memória do atletismo brasileiro. Perder os pés de Marta não é nada se comparado com perder a cabeça por causa de negócios que não valorizam o passado e promovem o esquecimento. E parece que alguns já se deram conta disso ao perder cargos e títulos.

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