Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio

Muitos atletas não têm lembranças da competição que eternizou suas ações

A brevidade de um torneio é também o momento que eterniza o atleta

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O ex-boxeador Servílio de Oliveira segura a medalha de bronze conquistada nos Jogos de 1968, na Cidade do México
O ex-boxeador Servílio de Oliveira segura a medalha de bronze conquistada nos Jogos de 1968, na Cidade do México - Silvia Zamboni/Valor

A vitória em um jogo ou campeonato imortaliza o atleta. Em alguns casos o efeito residual de uma vitória dura muito mais a depender da equipe de marketing que trabalha com esse feito. 

No caso de um título inédito, a imagem do momento estará guardada em muitos objetos que decorarão salas e quartos de aficionados.

Ao falar sobre a duração de um instante, procurarei me ater ao ponto de vista do atleta. O momento de uma competição, que é ditada pelo cronômetro, tem a precisão do instrumento que marca aquela manifestação: sejam os 90 minutos no futebol, os 40 do basquete, os 5 minutos do judô, os 10 segundos dos 100 metros rasos.

Embora hoje os relógios registrem precisamente os décimos, centésimos e milésimos de segundos isso pode representar a eternidade para aquele que protagonizou a ação que permanecerá na memória daqueles que assistiram, torceram e se emocionaram com algo tão raro.

São muitos os atletas que relatam não ter lembranças da competição que eternizou alguma de suas ações. E não falo apenas das modalidades cujo imperativo é a velocidade.

A memória é muito curiosa porque retrata uma condição afetiva daquilo que é lembrado e que envolve o fato em si, a emoção que envolve o fato e o desejo (ou não) de recordá-lo.

Por isso lembramos com detalhes algumas passagens de nossas vidas e outras simplesmente "apagamos".

A brevidade do instante de uma competição esportiva tem a potência da lembrança que transcende o tempo. E o atleta é o agente dessa possibilidade.

Uma figura pública que protagoniza uma ação que pode significar muito para si mesmo, mas também para milhões que assistem a uma ação, às vezes magistral. E o passar dos anos torna seu feito maior do que o atleta em si. Daí a surpresa diante da imagem de atletas idosos, que para o público jamais envelhecem.

E o curioso é que podemos lembrar da competição em si, dos atletas envolvidos no jogo, de serviços magistrais, ataques inacreditáveis, gols de placa e, em casos extremos, a escalação de todo o time titular e reserva.

É assim que funciona a memória. Precisão cirúrgica para aquilo que interessa. E o bálsamo do esquecimento para aliviar a inconveniência da dor.

Observo o desdobramento de competições mundo afora e o mesmo fenômeno se dá com atletas de diferentes nacionalidades.

São gastos muitos anos na busca do aprimoramento técnico para chegar a competições que podem definir suas carreiras. E essas vidas são construídas de instantes de treinamentos, que somados geram quase o infinito.

De instantes que valem índices ou vagas que levam a competições como mundiais ou Jogos Olímpicos.

De instantes nas competições que marcarão, ou não, a própria história, a história do esporte ou do país, a depender do resultado obtido.

Para depois de tudo, o público, a mídia ou o próprio atleta dizer: "não me lembro ao certo o que aconteceu", seja para poder se proteger da dor causada por uma derrota ou simplesmente porque foi, de fato, tudo tão breve.

A brevidade de uma competição é também o momento que eterniza o atleta.

A situação exemplar para se refletir sobre o que representa ser diferente da média. Ser competitivo, desejar se destacar dos demais, deixar sua marca com ética, não é indigno, nem imoral.

Essa é a razão de ser do esporte que leva o atleta a buscar sempre o máximo. E, como já cantou o poeta Caetano: "gente é pra brilhar, não pra morrer de fome".

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