Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio

Vejo uma grande mobilização para mudar realidade de abusos no esporte

Portas têm sido abertas para o esclarecimento do que era empurrado para debaixo do tapete

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Há objetos que compõem os ambientes por onde transitamos que só chamam a nossa atenção quando usados de forma indevida.

Por exemplo, a porta. É a peça da casa por onde se entra e sai. Abrimos para quem desejamos ter conosco e, no momento da saída, costuma-se acompanhar a quem desejamos rever. Dizem os antigos que, diante da possibilidade de uma visita indesejada, coloca-se uma vassoura atrás da porta e assim espanta-se o inoportuno.

Do ponto de vista simbólico, ela representa uma passagem e quase sempre revela algo, seja ele conhecido ou desconhecido. Portas abertas significam receber a quem se quer bem. Fechar a porta a alguém indica rejeição. E realizar algo a portas fechadas pode ser um indício de atitudes ilícitas.

Tapete é o objeto que cobre o piso. Pode ser um fino objeto de decoração. Mas não é só isso. Em algumas culturas, ele é uma representação de jardins que não se pode ter. Ou ainda a marca da ancestralidade de uma família, ou mesmo de uma tribo. Um tapete mágico pode voar. Mas é também sob o tapete que se joga a sujeira que deveria ser recolhida e posta no lixo.

Tenho observado nessas últimas semanas cenas no esporte que me remetem a esses dois objetos. A porta e o tapete.

Portas têm sido abertas para o esclarecimento de muitas cenas que foram empurradas para debaixo do tapete, com a clara intenção de não serem jogadas no lixo. Refiro-me basicamente a denúncias que vão de corrupção a assédio moral e sexual.

Angelo Assumpção em competição pelo Pinheiros
O ginasta Angelo Assumpção vê racismo em sua demissão do Pinheiros - Ricardo Bufolin - 9.jun.10/Flickr do Esporte Clube Pinheiros

Nestes anos todos de pesquisa com atletas, tive a porta aberta para adentrar a vida e a história de pessoas que tiveram a vida marcada por atos alheios à própria vontade. Sem qualquer espaço para que esses abusos fossem denunciados, registrei com indignação a falta de escuta acolhedora que pudesse mudar o rumo das coisas.

Quantas mulheres e homens referiram-se a fatos do passado com uma resignação lamentosa diante da naturalização da violência sofrida. E ao final escutava impotente o questionamento: por que o esporte é assim?

Minha resposta ia na direção de que o esporte não é assim, afinal o esporte é aquilo que se faz dele. Não há esporte sem atleta. Instituições são dirigidas por homens, majoritariamente, e mulheres, em minoria absoluta. Portanto, há que se trabalhar no sentido de fazer com que as pessoas que ocupam esses cargos tenham mais sensibilidade a agressões que em outros ambientes seriam consideradas crime.

Por exemplo, não se pode considerar natural que parte do treinamento de crianças seja realizado sob agressões verbais e físicas. É sempre bom lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente regula as relações com todas as crianças deste país.

Atletas não são exceção. Ainda assim, sabe-se que em ginásios, piscinas, pistas, tatames, estandes e outros ambientes esportivos nos quais os treinos são feitos a portas fechadas impera um tipo de relação no qual o dono da chave tem o poder de jogar para baixo do tapete qualquer acontecimento que possa macular a imagem de sua modalidade.

Já estamos na segunda década do século 21 e algumas práticas relacionadas ao esporte permanecem as mesmas do século 19.

Vejo uma grande mobilização de atletas mundo afora para a alteração dessa realidade. Pais antes coniventes mobilizam-se diante dos danos causados a seus filhos e filhas. Afinal, a culpa é um sentimento que faz o travesseiro parecer de pedra quando se assenta sobre ele uma cabeça repleta de erros que poderiam ter sido evitados.

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