Recentemente, ouvi o melhor adjetivo para a atualidade: tempos espinhentos!
Excetuando os faquires, conheço pouca gente que goste de superfícies pontiagudas. Há quem eventualmente procure por objetos porosos ou ásperos, com a finalidade óbvia de esfoliar partes do corpo que se encontram calosas e endurecidas pelo uso contínuo e sem uma hidratação necessária.
Os tempos atuais parecem produzir calos por todas as partes. O distanciamento físico das pessoas queridas, a convivência mediada por telas e máquinas, a falta dos temperos para a alma tão presentes nas atividades culturais e esportivas dão a impressão de que estamos cada vez mais duros, como os calos em pés sofridos.
E, como erva daninha, os espinhos desses tempos brotam das relações próximas e distantes. A falta de paciência com os mais ignorantes, o desrespeito por parte de quem não compartilha das mesmas ideias, a inexistência da necessária empatia e da troca de papéis para acolher quem sofre materializam as pontas que ferem a alma dos mais sensíveis.
A mentira tornou-se não a verdade que se esqueceu de acontecer, como assim a definiu o poeta Mário Quintana, mas a maneira sórdida de se conquistar o que a incompetência impede de se ter pelas vias moralmente aceitas e defensáveis.
Em um mundo em que se esconder parece impossível, negar e mentir tornaram-se atitudes habituais. Vale para doenças, efeito de remédios, formação acadêmica em currículos públicos e até estupro. Parece mesmo que a titânida Têmis, admitida entre os imortais do Olimpo no papel de deusa da justiça, anda atarefada demais para intervir nesse universo tão desigual.
Como psicóloga, sou muito mais afeita à compreensão do que ao julgamento. Entretanto, nestes tempos espinhentos, ao assistir à tentativa de manipulação por parte de alguns seres sobre eventos passados, sou levada a invocar Têmis em toda a sua potência.
Refiro-me à recente suspensão de contrato entre o Santos Futebol Clube e Robinho. A pergunta inevitável é: por que esperaram chegar a isso? E os espinhos respondem: porque prevalece a potência das falsas verdades, do negacionismo e da crença na impunidade.
Afinal, o caso não é recente, já foi julgado em primeira instância e com condenação. Mas, como as crianças em jogos de esconder, que tampam os próprios olhos certos de que não serão achados, o Santos e seu contratado apostaram na invisibilidade promovida pelo tempo e pela distância física do crime. Felizmente, a brincadeira não durou muito.
Afastado do time até que o processo seja finalizado, Robinho tentou sem sucesso a manipulação. Agiu como uma criança amoral, condição da qual já não goza mais. Tentou fazer uso da imagem de ídolo de uma torcida contra quem buscava a verdade sobre uma acusação de estupro ocorrido anos atrás, em terras italianas.
Os meios de comunicação cumpriram um papel fundamental, investigando fatos, processos e histórias facilmente deformadas por quem joga com o desejo da desmoralização das pessoas e das instituições.
O caso Robinho diz muito sobre os tempos espinhentos em que vivemos. As mentiras não punidas facilitam a multiplicação de outros tantos enganos, como se verdade fossem. Incautos, ingênuos e pulhas de todos os matizes permitem-se apoiar as falsas verdades com claro interesse na desinformação, sem que isso gere desengano.
Campanha recente da ONU busca colaborar no combate a informações falsas espalhadas pelas redes sociais, que nasceram para democratizar a informação e se transformaram na vilã mais poderosa da atualidade.
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