Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio
Descrição de chapéu Tóquio 2020

É a força da grana que faz esta edição olímpica se realizar a qualquer custo

Celebremos os contratos, e que os deuses do Olimpo cuidem de todos no Japão

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Na semana que passou tive a oportunidade de participar de um evento acadêmico com estudiosos do olimpismo de cinco diferentes países. Às vésperas de mais uma edição olímpica e distante dos encontros pré-evento, que nos últimos anos permitiu uma troca preciosa de informações, foi possível sentir em que pé se encontra a discussão sobre os Jogos de Tóquio.

O adiamento de um ano levou a posicionamentos que, de forma simplificada, foram reduzidos ao binarismo contra ou a favor da realização dos Jogos. Ai, esse bendito reducionismo que dificulta tudo. E mais uma vez aciono minha referência maior sobre olhar o mundo: a teoria dos lados do Menino Maluquinho, a saber, todo lado tem sempre mais do que dois lados.

Lá no distante ano de 2020 decidiu-se alterar a data da competição olímpica porque o mundo foi tomado por uma força estranha, que aniquilou, até agora, mais de 4 milhões de vidas. Não foi difícil, naquele momento, dizer que era preciso parar tudo.

Anéis olímpicos em Tóquio
Anéis olímpicos em Tóquio - 31.mai.21/AFP

Não havia nenhum item nos contratos, escrito em letras minúsculas, que algo parecido poderia acontecer.

De lá para cá as discussões giraram em torno de realizar ou não o evento. E, em se definindo que ele seria realizado de qualquer maneira, a pergunta que não quis calar foi: em que condições?

Depois de muitas idas e voltas, as delegações de todo o mundo começam a chegar ao Japão, onde deveriam acontecer Jogos impecáveis.

E, para minha curiosidade, ouço um professor universitário japonês dizer, com certo constrangimento, que nada será como o previsto. Afinal, aquela competição que deveria promover o congraçamento entre os povos será marcada pela necessidade de reclusão e confinamento.

As cidades que acolherão atletas e comissões técnicas com culturas diferentes, dispostas a aprender o congraçamento entre os povos, vivem uma curva ascendente de contaminação, o que levou Tóquio a decretar estado de emergência e o cancelamento de público nas arenas esportivas.

Não sou dada a filmes de terror nem de ficção científica, mas ao ouvi-lo, comecei a imaginar algo parecido com o que fujo das telas.

O fato é que estamos diante de uma situação complexa que envolve a necessidade de celebração, não da humanidade, mas de contratos firmados com cláusulas quase impossíveis de serem descumpridas. Sendo assim, o show deve começar.

Era de se esperar que os atletas desejassem essa realização a qualquer custo. Compreensível. Ninguém é capaz de prever se haverá a possibilidade de se superar mais um ciclo olímpico para se chegar a Paris em 2024. E quando se conhece um pouco da vida de atleta olímpico, isso é tudo.

Por outro lado, também sabemos que a questão maior não é prestigiar essa geração de atletas. O que fará esta edição olímpica se realizar a qualquer custo é a força da grana, que ergue e destrói coisas belas.

Seria um prejuízo sem tamanho para o Japão e também para o COI. Gravitam em torno dessa questão os direitos de transmissão das competições das 33 modalidades, 50 disciplinas e 339 eventos. Telinhas de todos os tamanhos ao redor do mundo receberão as imagens, em diferentes ângulos, de gestos habilidosos sugerindo como trilha sonora o escoar de moedas, como nas máquinas premiadas de caça níqueis.

Celebremos pois os contratos! De quebra, que os deuses do Olimpo cuidem de toda a trupe que chegará à terra do sol nascente. E isso vale também a todos os profissionais que farão a cobertura dessa que deveria ser uma celebração da humanidade.

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