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A verdade das mentiras

Estamos perdidos no meio de um oceano de desinformação e a tempestade que isso gera não vai diminuir

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Melany Barragán

Cientista política e professora na Universidade de Valência. É doutora em Estado de Direito e Governança Global pela Universidade de Salamanca. Especializada em elites políticas, representação, sistemas partidários e política comparativa.

É verdade! Sete em cada dez latino-americanos não detectam ou não estão seguros de distinguir uma notícia falsa de uma verdadeira na internet. Assim diz um estudo conduzido por Kaspersky e Corpa entre dezembro de 2019 e janeiro de 2020. Apesar dos avanços nas tecnologias de comunicação e informação, hoje em dia estamos perdidos no meio de um oceano de desinformação e tudo aponta para o fato de que a tempestade que isso gera não vai diminuir.

Houve um tempo em que reinava a calma, quando, acreditem ou não, a internet não existia e a informação não estava apenas a um clique de distância. Para informar-se sobre o que ocorria à sua volta, os nossos pais recorriam a jornais, rádio ou televisão. Os nossos avós nem sequer nasceram com esta última e tiveram que se contentar com papel ou ondas de rádio. A mesma coisa aconteceu com o conhecimento: se queriam saber algo ou resolver uma dúvida, procuravam nos livros ou recorriam a outras pessoas.

O tempo passava em câmara lenta e o mundo parecia ser um lugar menos perigoso. Podiam acontecer inclusive ainda mais tragédias do que na atualidade, mas, no mínimo não nos inteirávamos de tudo e os meios de comunicação nos davam mais tempo para processar o infortúnio entre as desgraças. Hoje estamos perante um cenário radicalmente diferente: as novas tecnologias de informação e comunicação nos permitem acessar inúmeras fontes de informação praticamente em tempo real.

Tempos de desinformação

Mas isso não é tudo, já que também conformam novas formas e espaços de relações sociais. Os debates sobre política ou economia já não se realizam necessariamente nas praças, na sala de aula ou na sala de estar. Podemos agora discutir o futuro do mundo com um senhor da Ossétia do Norte sem nos levantarmos das nossas cadeiras. Tudo o que temos de fazer é conectar-nos ao Twitter, Facebook ou qualquer outra rede social em que possamos pensar.

Os nossos líderes políticos, que podem ter muitos defeitos, mas não esquecem a importância de se conectarem com o eleitor, também não são estranhos a esta realidade. Enquanto no início do novo século eles espreitavam timidamente o mundo digital, hoje é raro encontrar alguém que não tenha pelo menos um perfil nas muitas plataformas existentes. Eles enviam as suas fotos, compartilham vídeos e anunciam em alguns poucos caracteres as suas principais contribuições para a humanidade. E se se esquecerem de alguma coisa, há os numerosos meios de comunicação social para nos avisar.

Podemos pedir mais? Uma gama infinita de fontes de informação abre-se perante nós. Bem, peço desculpa por furar sua bolha: hoje, mais do que nunca, estamos rodeados de desinformação. As fábricas de notícias falsas ou fake news são uma nova pandemia que se propaga à velocidade da luz e nem sempre somos capazes de reagir. Neste caso, infelizmente, a América Latina não é exceção.

O fenômeno das fake news na América Latina

Segundo o estudo de Kaspersky e Corpa, os peruanos são as principais vítimas de fake news (79%), seguidos pelos colombianos (73%) e chilenos (70%). Depois estão os argentinos e mexicanos (66%) e brasileiros (62%).

A proliferação de notícias falsas não é apenas o resultado do surgimento de novos meios de comunicação e tecnologias da informação. É, em grande medida, impulsionada pela criação de plataformas especificamente destinadas a influenciar o debate político.

Com muitas fontes de financiamento obscuras, procuram reforçar certas opções políticas, utilizando a desinformação como arma de escolha. Numa questão de minutos, estes agentes maliciosos são capazes de nublar o nosso julgamento e criar confusão em assuntos tão relevantes para a realidade latino-americana como a pobreza, a desigualdade, a insegurança ou a saúde pública e o combate à pandemia.

Dado este panorama, seria verdadeiramente louvável que os nossos políticos fizessem a sua parte para, na medida do possível, contribuir para uma informação rigorosa e responsável. É evidente que não são deuses onipotentes capazes de controlar todos os fluxos de informação, o que é de saudar no interesse da liberdade de expressão. No entanto, é um pouco decepcionante quando observamos que alguns fazem uso deste recurso durante a sua atividade política.

Por exemplo, presidentes como Jair Bolsonaro no Brasil, Andrés Manuel López Obrador no México ou Nayib Bukele em El Salvador utilizaram notícias falsas durante as suas campanhas eleitorais ou mesmo durante o seu mandato. Mas eles não são os únicos. Através da divulgação de notícias falsas, diferentes atores políticos não só procuraram desviar a atenção de possíveis erros na sua administração ou desacreditar os seus opositores, como também posicionaram a sua agenda política.

As notícias falsas permitiram a estes políticos visar grupos específicos da população, gerar alarme ou legitimar certas iniciativas. A ausência de mecanismos para controlar a desinformação, a existência de robôs e a viralidade das redes sociais fizeram o resto.

As consequências na vida política

Uma vez que a desinformação consegue ganhar uma base nas nossas sociedades, as consequências são terríveis. O cidadão torna-se um indivíduo facilmente manipulado, cuja lógica se baseia em informações falsas e é especialmente sensível à retórica sentimental e polarizadora que o afasta do pensamento crítico.

Isto não só afeta o consumidor de notícias falsas, mas também coloca o cidadão reflexivo nas cordas, cada vez mais perdido entre extremos que passam a ser considerados como os únicos pontos de referência. Isto é um golpe na qualidade das democracias latino-americanas, já ameaçadas por numerosos riscos.

Portanto, talvez seja necessário apertar o botão de stop por um momento e questionar todas aquelas certezas que consideramos inquestionáveis. Despertemos a nossa curiosidade e ponhamos as nossas ideias em quarentena. Vamos abrir mais livros, vamos até ao quiosque da esquina para comprar o jornal ou vamos convidar aquele amigo para um café que, mesmo que discorde de nós em questões políticas, está sempre bem informado.

Não importa quantos slogans e frases de efeito nos vendam, não importa quanto pensamento pré-fabricado encontremos nos discursos dos atores ou dos meios políticos, e não importa quanta informação inexata nos ofereçam para moldar a realidade, no final a única coisa que nos tornará verdadeiramente livres e melhorará as nossas vidas será a capacidade de pensar por nós mesmos. Essa é a verdade das mentiras.

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