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O Exército brasileiro precisa de ajuda

O ex-capitão está fazendo essa Força girar como rolha no redemoinho bolsonarista

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Octavio Amorim Neto

Professor da Escola Brasileira de Administração Pública e Empresarial da Fundação Getulio Vargas (Ebape/FGV) e doutor em ciência política pela Universidade da Califórnia-San Diego.

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No dia 3 de junho, o Exército brasileiro anunciou que não puniria o general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, por haver participado de um evento político com o presidente Bolsonaro no dia 23 de maio, no Rio.

A decisão contraria flagrantemente o Regulamento Disciplinar do Exército e o Estatuto das Forças Armadas, os quais proíbem a participação de militares da ativa em manifestações políticas.

Ao que tudo indica, o comandante do Exército, Paulo Sérgio Oliveira, acatou um desejo de Jair Bolsonaro, que não aceitaria a punição de Pazuello, tratado pelo chefe de Estado como “nosso gordinho”.

Nas palavras de Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa, “o Exército capitulou diante da pressão do presidente Jair Bolsonaro ao não punir ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello”.

A pressão é uma resposta de Bolsonaro ao esforço por parte das Forças Armadas de estabelecer uma separação institucional entre elas e o atual governo, tal qual deixaram muito claro o general Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa, o general Pujol, ex-comandante do Exército, o almirante Ilques, ex-comandante da Marinha, e o tenente-brigadeiro Bermudez, ex-comandante da Força Aérea, ao serem demitidos por Bolsonaro, no final de março de 2021, justamente por rechaçarem aventuras golpistas.

Se a carta de despedida do general Azevedo e Silva, ao afirmar que, ao longo de mais de dois anos à frente da Defesa, preservara “as Forças Armadas como instituições de Estado”, foi um gesto de ruptura com Bolsonaro no plano constitucional –isto é, os militares não aceitam a violação da Carta de 1988–, a decisão de não punir Pazuello implica a capitulação do Exército no plano político-eleitoral.

Ou seja, após haver cevado a Força Terrestre com diversos postos ministeriais, milhares de cargos no Executivo Federal e generosos benefícios orçamentários e salariais, o presidente exige que oficiais, da ativa e da reserva, possam ser utilizados para explícitos desígnios políticos –seja para intimidar a oposição, seja para o projeto de reeleição.

O general Walter Braga Netto, atual ministro da Defesa do Brasil, em Brasília
O general Walter Braga Netto, atual ministro da Defesa do Brasil, em Brasília - Pedro Ladeira - 10.jun.2021/Folhapress

Da perspectiva de Bolsonaro, é fundamental apresentar-se, perante o eleitorado nacional em 2022, como o líder de uma Presidência que tem e terá no Exército um dos seus pilares. A punição a Pazuello tiraria a credibilidade dessa peça-chave do governo e da campanha de reeleição.

Ao decidir não punir Pazuello, o general Oliveira, além de ver sua autoridade degradada e gerar indignação em vários generais da ativa e da reserva, privou a organização da capacidade de gerir autonomamente sua relação com o presidente da República.

Conquanto o gesto de ruptura de fins de março continue válido –uma vez que nada indica que as Forças Armadas apoiem a quebra da ordem institucional–, a situação política do Exército complicou-se, pois Pazuello está intimamente associado ao malogro do Brasil no combate à pandemia.

Após haver fracassado rotundamente como ministro da Saúde e ter participado de uma manifestação política, Pazuello acaba de ser nomeado para o cargo de secretário de Estudos Estratégicos da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

Ou seja, o ex-capitão está fazendo o Exército girar como rolha no redemoinho bolsonarista. Sem ajuda externa, a Força Terrestre não tem como sair dele.

Isso significa que líderes políticos (sobretudo FHC, Lula e Michel Temer), ex-ministros da Defesa, governadores, ministros do Supremo Tribunal Federal e generais da reserva precisam se pronunciar, de maneira frequente e contundente, contra a politização das Forças Armadas.

A politização dessas, ao solapar sua hierarquia e disciplina, aponta, em última instância, para uma guerra civil –nada mais, nada menos.

Citam-se apenas indivíduos porque o grande órgão coletivo que poderia impor incontornáveis limites à disrupção bolsonarista, o Congresso Nacional, encontra-se agora controlado por parlamentares de direita preocupados quase que exclusivamente com questões do varejo político, sobretudo na Câmara dos Deputados.

Além disso, historicamente, a direita brasileira sempre se sentiu confortável com a presença de militares na política, vendo neles a garantia de última instância contra a esquerda. De modo que, num momento decisivo para o futuro da democracia no Brasil, o Poder Legislativo está abdicando do seu papel precípuo como freio e contrapeso às tendências autocráticas do Poder Executivo.

Por último, há que se considerar também o papel da Marinha no esforço de contenção de Bolsonaro. Trata-se da Força mais distante politicamente do presidente. Como está submetida à autoridade do chefe de Estado, não pode pronunciar-se publicamente contra ele.

Portanto, os membros da elite política referidos no começo deste texto devem procurar os almirantes de forma muito discreta e hábil, tal qual Tancredo Neves fez com os generais no começo da década de 1980 com o fito de acelerar a transição democrática.

Se, até recentemente, o Brasil era o país do presidencialismo de coalizão, doravante deverá ser, por algum tempo, o país das coalizões civis-militares.

Bolsonaro já fez a sua. Agora é a vez das forças democráticas.

Caso saia vitoriosa da contenda, a coalizão civil-militar democrática deverá não apenas despolitizar as Forças Armadas mas também prepará-las para, a partir de 2023, o estabelecimento pleno do seu controle pelos poderes políticos eletivos, a começar pela nomeação de um líder civil para chefiar o Ministério da Defesa.

Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.

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