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Javier Milei e a ascensão da direita libertária na Argentina

O economista se tornou conhecido por sua presença assídua em programas de televisão e suas posições ultraliberais

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“Vamos derrubar o modelo defendido pela casta política que só tem nos tornado mais pobres”. “Não estou aqui para liderar cordeiros, estou aqui para acordar leões”. Assim, aos gritos, vestido com uma jaqueta de couro e cabelo comprido, como rockstar, Javier Milei dirigiu-se a um numeroso público, principalmente jovens, no sábado ensolarado de 7 de Agosto em uma praça pública.

Alguns dias depois, num programa de rádio, exclamou que ele e os seus eleitores iriam expulsar os políticos “com um chute na bunda”. Em um programa de TV propôs o desmantelamento do Estado, começando por “o fechamento do Banco Central”. Outro dia propôs a privatização das ruas, que os vizinhos as gerissem, cuidassem delas, cobrassem pedágio, e que os motoristas, com o seu GPS, soubessem quais ruas tomar e quanto lhes custaria.

Da TV à política

Javier Milei é um economista da mídia que se tornou conhecido pela sua presença assídua nos programas de televisão, suas posições ultraliberais e sua aparência particular de cabelos longos e franjas que caem sobre seu rosto. E na véspera das eleições primárias de novembro, nos últimos meses saltou da fama televisiva para a política. Fundou, com outros parceiros, um partido — Avanza Libertad — e concorre como o primeiro candidato a deputado nacional pela Cidade de Buenos Aires.

Seu capital político é sua irreverência discursiva, sua aparência casual e juvenil, um liberalismo exacerbado que tem adeptos urbanos e a audácia de dizer e propor tudo o que é impoliticamente correto num eleitorado que tende do centro à centro-esquerda. Seu acerto estratégico: apelar a uma porção do eleitorado que está definitivamente farta da política e da classe política, algo que vem se manifestando desde o início do século. O cenário é propício: uma crise socioeconômica in crescendo, agravada pela pandemia que também não tem sido bem gerida pelo atual governo.

O público que segue fervorosamente Milei, para quem ele é uma espécie de guru insultuoso — outsider da política —, é composto, basicamente, de jovens urbanos, de classe média e média alta, com bom nível educacional e sem problemas futuros, mas que se sentem frustrados e inibidos para desenvolver suas carreiras e profissões. É o mesmo público jovem que afirma que é melhor emigrar mesmo que o país perca um capital humano valioso. A verdade é que é um público totalmente farto da classe política argentina, dos seus erros passados e presentes, e suas disputas partidárias que, uma e outra vez, adiam a resolução dos problemas urgentes do país.

É um público que capta claramente as incongruências atuais da política argentina, mas que só a rejeitou individualmente ou socialmente, ou seja, em círculos de amigos. Milei oferece-lhes o discurso, o tom e a agressão necessária contra esse status quo, ao mesmo tempo que apresenta uma proposta política cujo objetivo último é derrubar a institucionalidade vigente por ser ultrapassada, corrupta e ineficiente. A simbiose entre Milei e esse público foi imediata.

Milei e a sua Avanzada Libertad

Como resultado desta relação de convocação, Milei abandonou qualquer tentativa de concorrer às primárias pelo Juntos Cambiemos, a aliança política que levou Mauricio Macri à presidência em 2015, e decidiu seguir o seu próprio caminho. Com outras pessoas de perfil similar, embora menos barulhentas, fundou a Avanza Libertad e juntos se lançaram na campanha.

Avanza Libertad é, em essência, uma configuração política ultraliberal na esfera econômica. Não há nada mais novo do que isso. Milei agrega as propostas leves e aparentemente contracorrentes, próprias das atuais correntes libertárias: hiperindividualismo, direitos individuais sem restrições, liberdade absoluta de decisão — importante entre aqueles que rejeitam a vacina da Covid-19 — e interferência nula do Estado em questões de decisão pessoal. Por outro lado, evita o que outras correntes libertárias sustentam: racismo, homofobia, condenação do discurso de gênero e da diversidade sexual ou o apelo à fundamentos religiosos, posições que são limites claros na cultura política argentina devido também ao seu predomínio laico.

O discurso de Milei é liberal no sentido histórico da Escola Austríaca (Von Hayek, Ropke,) e o legado de Milton Friedman. Ou seja, uma centralidade absoluta do mercado como produtor e distribuidor de bens sociais, e um liberalismo que se transporta para todas as demais arenas da vida social: educação, saúde, habitação, transportes, trabalho, legislação, regulamentos, etc.

Em conclusão, o Estado deve abster-se de tudo o que é desejado e pode ser oferecido por uma parte privada. E nesta conjuntura política, há uma rejeição absoluta do que alguns consideram como um aproveitamento da pandemia para atropelar as liberdades individuais e violar direitos.

A pergunta não é se Milei e o seu partido irão bem nestas eleições, uma vez que com ventos a favor conseguirão alguns lugares. A questão é como o partido e o personagem irão evoluir.

A política argentina tem, desde a transição democrática de 1983, uma clara tradição de permitir a emergência de terceiras forças políticas — sobre o peronismo e o radicalismo — e logo deixá-las cair, ou seja, não estender esse apoio eleitoral por mais de duas ou três eleições. Pode-se então pensar, com certo fundamento, que a durabilidade desta força política e da liderança de Milei é muito incerta.

Talvez Milei se torne, devido ao seu poder de convocação, um líder de sucesso do Juntos Cambiemos, ou seja lá como essa liderança política se chamar. E talvez, o seu ego satisfeito, se dedique, após uma breve passagem pela política, à arena cênica, a qual maneja muito habilmente.

É possível que uma vez canalizada — até certo ponto — a crise na Argentina e após uma renovação política em 2023, a fúria política do setor que apoia Milei amanse e assim se atenue o seu poder de convocação. O que é certo é que, hoje, ele é a figura emergente da política argentina. Não tanto pela intenção de voto, mas sim pela articulação de um discurso novo, apto para este cenário de decepção e desafeição política.

Diego M. Raus

Diretor da licenciatura em Ciência Política e Governo da Universidade Nacional de Lanús (Argentina) e professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires

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