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Uruguai busca livre comércio com a China diante de um Mercosul paralisado

Vínculo entre países se aprofundou na pandemia graças às vacinas da Sinovac

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Ignacio Bartesaghi

PhD em Relações Internacionais e diretor do Instituto de Negócios Internacionais da Universidade Católica do Uruguai

Durante a pandemia, o vínculo entre Uruguai e China se aprofundou com o pleno acesso às vacinas Sinovac que chegaram para atender às demandas sanitárias uruguaias. Entretanto, o que chamou a atenção da política nacional e regional foi o anúncio do presidente uruguaio de que seria iniciado um estudo de viabilidade para assinar um TLC (Tratado de Livre Comércio) entre os dois países.

Naturalmente, tal estudo não garante a abertura das negociações, mas é considerado o primeiro passo para um TLC. A decisão do Uruguai e o movimento da China é mais um sinal de uma relação que cresce e que gera enormes expectativas nos atores nacionais.

Este é o último passo após a consolidação da relação entre Uruguai e China com a assinatura da declaração de Associação Estratégica durante a visita do presidente Tabaré Vázquez à China em 2016.

O embaixador chinês no Uruguai Wang Gang e o diretor de correio uruguaio Jorge Pozzi mostram um envelope com selo postal que comemora o Ano do Tigre, na sede do Correio Uruguaio, em Montevidéu, capital do Uruguai, em 27 de janeiro de 2022 - - Xinhua/Nicolás Celaya

Nessa viagem, foi lançada pela primeira vez a possibilidade de avançar na assinatura de um TLC bilateral, o que o ex-presidente uruguaio disse que aconteceria em 2018.

No final, o acordo não foi alcançado, sobretudo pela falta de liderança na política interna, na qual alguns atores nacionais bloquearam a possibilidade de avançar nas negociações.

A oposição dos parceiros do Mercosul

As ambições do Uruguai, entretanto, enfrentam outro grande desafio e até o momento geraram controvérsia na região pelos diferentes pontos de vista dos membros do Mercosul.

O Uruguai argumenta que pode avançar na assinatura de acordos bilaterais por entender que a Decisão 32/00 do Conselho do Mercado Comum não se encontra em vigor. Mas esta posição não é compartilhada pela Argentina, o que coloca o Tratado de Assunção em primeiro lugar, uma visão compartilhada, com menos ênfase, pelo Paraguai.

No caso do Brasil, deve-se lembrar que, em paralelo à proposta de flexibilização liderada pelo Uruguai, seu interesse foi fundamentalmente centrado na redução da tarifa externa comum do esquema de integração.

O Brasil, em especial com o apoio do ministro da economia Guedes e do presidente Bolsonaro, acompanhou o Uruguai em sua proposta e nunca tomou uma posição firme contrária a um acordo do Uruguai com a China, embora tampouco o apoie expressamente.

Entretanto, com a mudança do chanceler, o Itamaraty voltou a cumprir um papel mais preponderante, o que derivou em sinais menos claros por parte do principal parceiro do Mercosul.

Neste marco, assumindo uma mudança de contexto, especialmente no Brasil pelo cenário eleitoral, os representantes uruguaios deveriam retornar às negociações, buscando, por exemplo, a regionalização das relações do bloco com a China, que poderia articular-se lançando um diálogo Mercosul-China no próximo semestre, quando o Uruguai terá em seu encargo a presidência do Mercosul.

Esse sinal seria de central importância para que a China decida seguir adiante com as negociações bilaterais. A decisão do Uruguai é legítima se levar em conta que todos as partes avançam em decisões que vão contra o Tratado de Assunção, uma ação que ocorre regularmente desde 1999 em diante.

Por outro lado, enquanto o Uruguai estabeleceu relações diplomáticas com a China em 1988, poucos anos depois da Argentina e do Brasil, o Paraguai é um dos 14 Estados do mundo que ainda mantém relações diplomáticas com Taiwan. Este é mais um obstáculo para as relações normais do Mercosul com a potência asiática.

Mas se o Uruguai quiser avançar nessa direção, além de lidar com seus vizinhos, deverá acelerar a negociação de outros acordos propostos pela China em áreas como a economia digital e verde, investimento e cooperação no âmbito do Cinturão e da Rota.

Estes seriam sinais importantes para a China, já que acompanham a estratégia de alcançar uma Associação Estratégica Integral, na qual a assinatura do TLC é um elemento de suma importância, mas não o único.

O caminho do TLC-Uruguai

Desde 1988, a relação do Uruguai com a China se aprofundou, não apenas no que se refere ao crescimento exponencial no comércio de bens, transformando há muito tempo a China no principal parceiro comercial do Uruguai, mas também em termos de cooperação e intercâmbios políticos. Os investimentos, no entanto, aumentaram, mas a um ritmo menor se comparado com outros países sul-americanos.

Desde o início do século 21, a China começou a dar passos significativos para transformar-se em um ator global, ingressando na OMC em 2001, que em poucos anos a catapultou como principal exportador mundial, superando a Alemanha.

A China também começou a ganhar terreno nas organizações internacionais do pós-guerra, uma estratégia complementada com a implementação de novas instituições e projetos estratégicos.

Em 2001 foi criada a Organização de Cooperação de Shangai, em 2013 a China lançou o megaprojeto do Cinturão e da Rota, em 2014 liderou o lançamento do Novo Banco de Desenvolvimento dos Brics, em 2016 fez o mesmo com o Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura e em 2020 conseguiu assinar o RCEP, o acordo comercial de maior impacto econômico e comercial a nível global.

Para a China, a assinatura de um acordo comercial é mais um elo em uma cadeia muito mais ampla de acordos e sinais que resultam no aumento do nível de importância que o Partido Comunista chinês atribui a determinados países. Portanto, para chegar a uma Associação Estratégica Integral, deve-se cumprir, especialmente no caso das economias pequenas, uma série de ações de longo prazo.

Neste sentido, o Uruguai assinou um número relevante de acordos de cooperação em diversas áreas, mas também ingressou na Iniciativa Cinturão e Rota, no Novo Banco de Desenvolvimento e no Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura, que são sinais claros da relevância outorgada ao seu principal parceiro comercial.

É claro que a aposta do Uruguai é muito ambiciosa, mas ainda é possível se a estratégia atual for parcialmente ajustada. O caminho do Uruguai rumo a um Tratado de Livre Comércio com a China já começou e não deve haver nenhum ponto de retorno.

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