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Cúpulas da América, desnecessárias quando se sacrifica a credibilidade democrática

Após quatro anos, encontro é novamente organizado, mas o entusiasmo é limitado

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O presidente norte-americano Joe Biden, anfitrião da Cúpula das Américas deste ano - Elizabeth Frantz/Reuters
Detlef Nolte

Cientista político e pesquisador associado do German Institute for Global and Area Studies (Giga) e do German Council on Foreign Relations (DGAP). Foi diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos e vice-presidente do Instituto de Estudos Globais e de Área do Giga.

Após um recesso de quatro anos, uma Cúpula das Américas é novamente organizada. Pela segunda vez desde 1994 (Miami), os Estados Unidos são os anfitriões. No entanto, o entusiasmo é limitado. A administração Biden preparou a cúpula tarde e mal, e o interesse latino-americano se centra em se os governos de Cuba, Nicarágua e Venezuela serão convidados. Vários presidentes ameaçaram não comparecer, com o presidente mexicano na linha de frente. Neste contexto, surge a pergunta de se vale a pena que três regimes desgastados e ditatoriais sejam o centro de uma questão de princípio. Pouco se fala sobre o conteúdo da cúpula.

Apesar das idas e vindas, as Cúpulas das Américas têm sobrevivido. Originalmente supunha-se que deveriam apoiar o processo de criação de uma Alca (Área de Livre Comércio das Américas), mais tarde foi somado o fortalecimento e consolidação da democracia na região. Entretanto, a Alca morreu há muito tempo e cada vez menos governos na região parecem interessados em defender a democracia.

Qual a necessidade das Cúpulas das Américas? Os governos latino-americanos têm vários fóruns regionais, sendo a Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos) o mais inclusivo. Temas que afetam a todo o hemisfério ocidental podem ser discutidos no marco da OEA, (Organização dos Estados Americanos) mas também podemos imaginar a Celac convidando os EUA para uma cúpula Celac-US. Nesse caso, caberia ao governo dos Estados Unidos decidir se participaria ou não.

Proteção da democracia versus soberania de repressores

Com sua política de não convidar governos claramente não-democráticos, a administração Biden parece ter ficado para trás no tempo. Mas também surge a pergunta de se os tempos mudaram para melhor ou pior. Há 21 anos, na "Declaração de Quebec" resultante da 3ª Cúpula das Américas, todos os governos participantes estiveram de acordo que "a manutenção e o fortalecimento do estado de direito e o irrestrito respeito ao sistema democrático são, ao mesmo tempo, uma meta e um compromisso comum, além de constituírem uma condição essencial de nossa presença nesta e em futuras Cúpulas.

Consequentemente, qualquer mudança inconstitucional ou interrupção da ordem democrática em um Estado do hemisfério constitui um obstáculo insuperável à participação do governo daquele Estado no processo de Cúpulas das Américas".

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, ao lado do líder de Cuba, Miguel Díaz-Canel - Yamil Lage/AFP

Naquele momento, até mesmo o governo de Hugo Chávez, que apresentou reservas frente a outras formulações, apoiou o parágrafo relacionado com a democracia. Hoje, no entanto, este consenso democrático já não existe. Criticar a repressão política em um país vizinho é considerado impróprio.

O presidente mexicano Manuel López Obrador inclusive questiona se é apropriado chamar assim os agressores, torturadores e repressores em países vizinhos, já que isso poderia violar os princípios da autodeterminação dos povos (de ser oprimido) e da não-intervenção. Cabe seperguntar se AMLO teria relativizado com o mesmo discurso os crimes de Pinochet e Videla na época.

Muitos governos latino-americanos parecem dispostos a sacrificar os princípios democráticos no altar de uma irmandade incompreendida e solidariedade latino-americana. O que se defende não é a soberania dos povos, mas a soberania dos governos, ou mais precisamente dos presidentes, para poder restringir a democracia em seus países e oprimir os opositores políticos.

Integração sem valores democráticos e base material

O discurso do presidente mexicano combina críticas à exclusão de Cuba, Nicarágua e Venezuela com vagas promessas à integração latino-americana sem base material ou valores compartilhados. Para AMLO, chegou o momento de uma nova convivência para ‘construir algo semelhante à União Europeia’ na América Latina. Mas para tal projeto falta uma sólida base econômica. O comércio intra-regional latino-americano chegou a 13% do comércio total em 2021, com México desconectado do resto da América Latina e dependente dos Estados Unidos.

Ademais, a União Europeia se baseia em valores comuns, como o compromisso com a proteção dos direitos humanos e a democracia, e conta com as instituições comunitárias para sua defesa. Em contraste, com sua proposta de substituir a OEA (Celac seria uma opção) os esforços de AMLO e outros governos latino-americanos visam abolir a única organização regional com um sistema operativo para a proteção dos direitos humanos na região.

Portanto, o resultado não seria uma maior autonomia para a América Latina, mas uma maior autonomia para opressores e regimes repressivos. A Celac não se pronunciará sobre ameaças à democracia em países latino-americanos nem defenderá a proteção dos direitos humanos em regimes não-democráticos.

A reviravolta: Estados Unidos sem rumo e liderança

Os problemas prévios à cúpula mostram que a influência dos Estados Unidos na América Latina diminuiu e os governos latino-americanos estão se tornando mais assertivos. Para recuperar a influência na América Latina, o governo estadunidense deve oferecer a seus sócios do sul incentivos e apoios econômicos, como faz a China. Então o convite a uma cúpula organizada pelos EUA (independentemente de como se chama o evento) seria um privilégio, e a não participação estaria associada com desvantagens econômicas e políticas.

Entretanto, tal política carece do apoio necessário no Congresso. De fato, parece sintomático o fato que oito postos de embaixadores na América Latina estejam vagos antes da cúpula, incluídos as embaixadas no Brasil, Chile e para a OEA, principalmente devido às políticas obstrucionistas dos senadores republicanos.

As principais causas dos problemas na política dos Estados Unidos para a América Latina não se encontram em Pequim, Cidade do México ou Buenos Aires, os problemas são caseiros. E neste sentido, surge a pergunta de se este vazio de liderança por parte da potência norte-americano na América Latina não deveria ser usado para objetivos mais produtivos, realistas e centrados nos desafios do futuro, no lugar de reclamar pela reabilitação e a reintegração internacional de regimes ditatoriais desgastados.

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