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O que Petro e Márquez devem aprender com a Venezuela?

Diferenciar-se não só de Maduro, mas também de Uribe, Bolsonaro e Bukele, reivindicaria a democracia na Colômbia

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Maryhen Jiménez

Ph.D., pesquisa sobre autoritarismo comparado, democratização, movimentos de oposição e partidos políticos

"A Colômbia caiu no mesmo", "a Colômbia vai se 'venezolanizar'", teme um setor de venezuelanos após ver os resultados das eleições no país vizinho.

Este medo tem um fundo real: a eleição de um presidente de esquerda na Venezuela levou o país ao autoritarismo, à fragilidade estatal, à corrupção, à pobreza, à desigualdade, ao isolamento internacional, à uma migração e a um deslocamento maciço de mais de 6 milhões de pessoas. Hoje a Venezuela tem uma investigação aberta no Tribunal Penal Internacional por supostos crimes contra a humanidade. Ao receber 20% da população migrante e refugiada, a Colômbia, muito mais do que qualquer outro país da região, testemunhou a crise multinível que ainda atravessa seu país vizinho.

O presidente e a vice-presidente eleitos da Colômbia, Gustavo Petro e Francia Márquez, celebram vitória em Bogotá
O presidente e a vice-presidente eleitos da Colômbia, Gustavo Petro e Francia Márquez, celebram vitória em Bogotá - Luisa Gonzalez/Reuters

Além disso, a Colômbia abriu suas portas aos líderes políticos venezuelanos que foram forçados a fugir de seu país para evitar perseguições injustas; alguns estreitaram laços com a direita colombiana e provavelmente farão da Venezuela um tema de política interna, tal como ocorre na Espanha. Esta é uma realidade que o novo mandatário colombiano não poderá evitar. Com a tomada de posse no horizonte, o que deveria aprender o novo presidente da Venezuela? Uma resposta sucinta: se distanciar e se diferenciar do chavismo. Vamos ver.

Uma esquerda moderna?

Ao contrário de Hugo Chávez –que apelou ao apoio de atores de todo o espectro político em 1998 para garantir uma vitória–, Gustavo Petro assumiu uma identidade de esquerda progressista e assumindo os riscos que isso implicava em um país de trajetória conservadora. O Pacto Histórico promete justiça social, a luta contra a mudança climática, uma contenção na exploração de petróleo e um giro em direção à indústria e à agricultura nacional. Além disso, destaca a importância do desenvolvimento regional, a inclusão da população indígena, afrocolombiana, mulheres, jovens e camponeses.

Chaves e Nicolás Maduro fizeram promessas dessa índole, utilizando uma linguagem similar, mas não cumpriram. Se Petro, portanto, quer abrir um caminho para uma esquerda moderna e democrática, ao lado, por exemplo, do presidente do Chile, Gabriel Boric, deve executar suas promessas, valorizando assim a relevância das coalizões políticas e sem banalizar a lógica dos mercados ou a responsabilidade fiscal.

Aparentemente, o presidente eleito sabe disso. Em seu discurso, em 19 de junho, falou de "desenvolver o capitalismo na Colômbia" e de produzir para redistribuir "sobre a base do conhecimento que é como se produz no século 21".

Redistribuição e inclusão

Segundo cifras da CEPAL, a Colômbia é o país em que mais cresceriam os níveis de pobreza durante este ano: de 36,3% em 2021 para 38% ou 39,2% em 2022. Por outro lado, a Oxfam assinala que a Colômbia se situa entre os cinco países mais desiguais do mundo em termos de concentração de terras; 81% das terras privadas estão concentradas nas mãos de cerca de 1%. Apenas 40% conta com emprego formal, o que representa uma das taxas mais baixas na região.

O Pacto Histórico busca transformar a realidade dos "ninguém", os setores da população historicamente excluídos. Francia Márquez, uma líder ambientalista do sudoeste do país, que será a vice-presidente –a primeira mulher na história colombiana a ocupar o cargo– tem a missão de garantir o cumprimento de tais promessas. O essencial será cercar-se de assessores e especialistas que lhes permitam elaborar programas sustentáveis ao longo do tempo que empoderem os grupos vulneráveis e lhes facilitem a mobilidade social, algo que não aconteceu na Venezuela chavista.

No caso da Venezuela, os programas sociais, financiados pelas receitas provenientes do boom petrolífero, não estimularam uma redistribuição ou inclusão real. Pelo contrário, serviram como base para o clientelismo político e, com o tempo, além disso, se converteram em um mecanismo de controle social. O chavismo, por sua vez, sob os mandatos de Hugo Chávez, buscou beneficiar sua base com programas e reconhecimento discursivo, enquanto atacava e excluía de maneira constante a população opositora.

O chavismo que hoje governa sob o mandato de Nicolás Maduro reprimiu ainda mais a oposição e a população em geral, e aceitou a economia ilícita diante da incapacidade de gerar as receitas substanciais do petróleo do passado, o que implicou, além disso, a destruição do meio ambiente, e um impacto enorme e direto sobre a população indígena.

Para cumprir a oferta de uma Colômbia de "paz e amor", Petro e Márquez devem se dissociar claramente de projetos autoritários de esquerda na região, como o venezuelano, e também atender às necessidades de outro grupo vulnerável: a população venezuelana que vive em seu território hoje.

Respeito às instituições e aos adversários

A paz como eixo central do governo é a promessa de Petro. Ao contrário de Chávez, o presidente colombiano eleito parece entender que a "polarização perniciosa" e a aniquilação do adversário são contraditórias à democracia. Depois de conhecer os resultados, ele e seus assessores deram as boas-vindas aos 10 milhões de eleitores de Rodolfo Hernández em seu governo; convidam ao diálogo e asseguram que não utilizarão o poder para perseguir ou destruir o oponente.

Em 1998, Chávez ganhou oferecendo-se para "fritar em óleo as cabeças dos adecos" e cumpriu: hoje ainda há mais de 200 presos políticos na Venezuela, os partidos de oposição são processados, um bom número de líderes políticos de trajetória e jornalistas estão no exílio; inclusive a mesma dissidência chavista foi perseguida.

Petro e Márquez falam, ao contrário, de construir consensos e propõem um grande acordo nacional a partir da participação e o reconhecimento das regiões. Se o Pacto Histórico cumprir esta oferta política, respeitar a independência dos poderes e canalizar seus programas de maneira institucional, beneficiaria a sociedade colombiana e agregaria valor à esquerda democrática, o que a separaria das esquerdas autoritárias, assim como da direita colombiana que no passado também tentou corroer a democracia enquanto estava no poder.

Para isso, o novo par que liderará o governo terá que fazer um esforço consciente para institucionalizar processos e mitigar o personalismo do Poder Executivo, os velhos obstáculos à democracia na região. Diferenciar-se de Chávez e Maduro, mas também de Uribe, Bolsonaro e Bukele, reivindicaria a democracia na Colômbia e em toda a América Latina.

Como diz Francia Márquez, o triunfo de sua plataforma é um mandato histórico para transformar a Colômbia. Sua mera presença no futuro governo já marca um antes e um depois. Mas isso não é suficiente. A própria experiência da Colômbia e do país vizinho ensina ao país inteiro que as transformações em benefício da sociedade não acontecem se se exclui, persegue ou silencia pelos que estão no poder.

Se a paz e a democracia não representam um projeto coletivo em sua concepção e execução, está destinado a fracassar. Portanto, o Pacto Histórico terá que demonstrar uma forte vontade política de cumprir com as normas e práticas democráticas, respeitando os tempos que estas requerem, a fim de fornecer à Colômbia o que o chavismo não conseguiu na Venezuela.

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