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O medo de Ortega das freiras e de um cabo premonitório do WikiLeaks

A paranoia do presidente da Nicarágua é o que pode explicar a irracionalidade de um regime totalitário que massacrou seu próprio povo

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Carlos Chamorro

Jornalista, fundador e editor do Confidencial, site de notícias nicaraguense

O ditador Daniel Ortega expulsou da Nicarágua 18 missionárias da caridade da ordem religiosa de Madre Teresa de Calcutá, depois de terem fechado suas obras de beneficência e cancelado o status legal de sua associação, porque não se registraram como "agentes estrangeiros".

Esta tripla agressão contra a liberdade religiosa, o direito de associação e o direito dos pobres de receber assistência social por parte de organizações da sociedade civil provocou um repúdio generalizado, inclusive entre os partidários do regime e na opinião pública internacional, que além disso condena a censura e a perseguição desencadeadas contra o jornal La Prensa como punição por cobrir a notícia da expulsão.

Na realidade, esta não é a primeira vez que o regime de Ortega e Rosario Murillo lança um ataque virulento contra representantes da Igreja Católica.

Após a rebelião de abril, entre 2018 e 2022, atacaram a basílica de Diriamba; atacaram a tiros a igreja da Divina Misericórdia, onde mataram dois estudantes universitários; atentaram contra a imagem do Sangue de Cristo na catedral de Manágua; provocaram o exílio forçado do bispo Silvio José Báez; expulsaram do país o núncio apostólico Waldemar Sommertag; assediaram monsenhor Rolando Álvarez e dezenas de sacerdotes nos templos; e encarceraram o padre Manuel Salvador García.

E, apesar desses antecedentes persecutórios, a expulsão das irmãs de caridade causou espanto, pois elas somente se dedicavam a ajudar os mais necessitados com obras de caridade cristã.

Mas essa também não é a primeira vez que o regime criminaliza a solidariedade entre as pessoas e pretende proibir a ajuda aos mais vulneráveis em um país dilacerado pela pobreza, aos afetados pela fome e pela seca, às vítimas da negligência oficial diante da pandemia de Covid e aos mais desprotegidos pela falta de acesso aos serviços sociais mais básicos.

Homem sentado usando chapéu de palha assiste em uma TV a discurso de Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, que está acompanhado da primeira-dama e vice-presidente, Rosario Murillo, e de militares
Homem assiste a discurso de Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, que está acompanhado da primeira-dama e vice-presidente, Rosario Murillo, em Manágua - Maynor Valenzuela - 21.fev.2022/Reuters

A proibição da solidariedade está no DNA ditatorial de Ortega e Rosario, que estão tentando se estabelecer como os únicos benfeitores sociais para os pobres, para que toda vez que a população tem acesso a um direito eles deem "graças ao comandante e à companheira", consagrando um ato de submissão política.

É por isso que já cancelaram mais de 950 ONGs, associações médicas e educativas, obras sociais da Igreja Católica e, sobretudo, os projetos de desenvolvimento social e comunitário que apoiam uma cidadania ativa, com o objetivo de instalar um regime totalitário no qual o Estado-partido-família encarnado no casal presidencial seja o único interlocutor com a população e, especialmente, com os mais pobres.

Mas, mesmo com todas essas evidências à vista, é difícil entender a crueldade contra as freiras de Madre Teresa de Calcutá, e talvez a única explicação, que não é justificativa, é que esse ódio sempre esteve presente e é alimentado pelo profundo medo que Ortega e Rosario têm do povo, e do exercício da solidariedade que faz parte da identidade dos valores democráticos dos nicaraguenses.

Entre os mais de 1.400 documentos sobre a Nicarágua vazados pelo WikiLeaks, que são baseados em cabos diplomáticos enviados pelo embaixador dos EUA em Manágua aos escritórios do Departamento de Estado em Washington, há um datado de 27 de abril de 2009, há mais de 13 anos, pelo embaixador Robert Callahan.

Ele cita um encontro privado com a então primeira comissária da Polícia Nacional, Aminta Granera, na qual a chefe policial relata o temor e a paranoia de Ortega provocada pela suposta ameaça de algumas freiras.

Textualmente, estas são as palavras: "A chefe de polícia Aminta Granera disse ao embaixador Callahan que o presidente Daniel Ortega está completamente louco e representa uma ameaça para o país". Há o acréscimo de que, segundo Ortega, há "algumas freiras que estão rezando para seu assassinato".

Nesse cabo diplomático escrito por Callahan, a comissária Granera não especifica quem são as freiras que Ortega teme, porque supostamente estavam conspirando contra ele, por meio da oração, para que lhe tirassem a vida.

Segundo Ortega, trata-se de um "grupo de freiras muito maior", que está rezando para que o matem, e ele considera que isso é uma grave ameaça para a segurança nacional.

Granera se limita a dizer que ela se sente "insegura" diante de Ortega porque ele a considera uma potencial rival política, e que a única coisa que lhe permitiu se manter firme frente a ele era sua "crescente popularidade". Conclui que "a única pessoa que tem influência sobre Ortega é sua esposa, Rosario Murillo".

Treze anos depois da publicação desse cabo premonitório do WikiLeaks, a paranoia de Ortega e Murillo, o medo da cidadania e da perda do poder, é o que pode explicar a irracionalidade de um regime totalitário que massacrou seu próprio povo, aprisiona e tortura aqueles que exigem liberdade e eleições livres, fecha todos os espaços da sociedade civil e se sente ameaçado pelas freiras de Madre Teresa de Calcutá.

Texto publicado originalmente no Confidencial, da Nicarágua

Tradução de Giulia Gaspar

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