Latinoamérica21

www.latinoamerica21.com é uma mídia pluralista comprometida com a disseminação de informações críticas e verdadeiras sobre a América Latina.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Latinoamérica21
Descrição de chapéu LATINOAMÉRICA21

O Chile em seu labirinto constitucional

A incerteza quanto à continuidade e à forma do processo constituinte é, semanas após o plebiscito, bastante alta

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rodolfo Disi

Cientista político e professor associado do Departamento de Estudos Políticos da Universidade de Santiago (Chile)

Passadas algumas semanas desde o histórico plebiscito chileno, o que explica a categórica diferença entre os resultados dos plebiscitos de 2020 e 2022?

Enquanto no plebiscito de entrada de 2020 78% dos eleitores eram a favor de começar o processo para substituir a Constituição atual, no plebiscito de saída quase 62% dos eleitores rejeitaram a proposta de nova Constituição elaborada no ano passado pela Convenção Constitucional.

Com o voto obrigatório, a "rejeição" ganhou em todas as regiões do país e, em nível local, a opção "aprovar" ganhou, por pouco, em apenas 8 das 345 comunas do território nacional. No nível demográfico, a "rejeição" ganhou entre homens e mulheres e em todas as faixas etárias.

Como explicar tais diferenças?

Em grande medida, as causas têm a ver com a configuração da Convenção Constitucional e o texto emanado por ela. A Convenção perdeu rapidamente sua legitimidade original, e o texto emanado tornou-se controverso.

Na verdade, as razões para ganhar assentos na Convenção são similares (ou mesmo idênticas) às razões pelas quais a "aprovação" perdeu o plebiscito de saída.

Usando máscara de proteção contra a Covid que representa a bandeira do Chile, nas cores azul, branca e vermelha, homem contrário ao novo projeto de Constituição no país comemora em Santiago o resultado da votação do plebiscito; ele usa boné e segura uma bandeira do Chile nas costas
Pessoas contrárias ao novo projeto de Constituição no Chile comemoram em Santiago depois de conhecer resultados da votação do plebiscito, em Santiago - Claudio Reyes - 4.set.2022/AFP

Em primeiro lugar, a Convenção foi eleita com um sistema eleitoral proporcional (baseado no da Câmara dos Deputados, mas com modificações) e voto voluntário. Isso significou que os representantes foram eleitos com níveis relativamente baixos de participação (votaram 43% do eleitorado).

Por isso, muitas personalidades ganharam assentos com base em demandas muito sentidas por alguns setores, mas de nicho. Várias dessas numerosas demandas refletidas na proposta não repercutiram no amplo eleitorado que participou com voto obrigatório.

Em segundo lugar, os independentes tiveram muito protagonismo na Convenção graças às facilidades que lhes foram dadas para competir em um ambiente de crítica aos partidos tradicionais.

Ainda que grupos independentes tenham desempenhado um papel importante na busca de acordos, vários representantes não partidários estiveram no centro de alguns dos episódios mais polêmicos e ressonantes durante as sessões.

A independência política, inicialmente vista como uma virtude, acabou prejudicando a Convenção na opinião pública.

Outro fator importante foi a crítica aos governos no poder.

Quando os membros da Convenção foram eleitos em maio de 2021, a direita foi duramente castigada nas urnas; isso foi ao menos em parte pela criticada gestão do governo do presidente Sebastián Piñera.

Neste ano, o voto pela "aprovação" esteve muito alinhado com a baixa aprovação do presidente Gabriel Boric, que teve uma brevíssima lua de mel em um contexto de inflação, estagnação econômica e insegurança cívica.

O presidente do Chile, Gabriel Boric, segura com a mão direita seus óculos, colocando-os no rosto, durante parada comemorativa de aniversário da independência do país; ele usa barba e bigode e veste um terno cinza, camisa branca e gravata nas cores azul e vermelha
O presidente do Chile, Gabriel Boric, em Santiago, na parada comemorativa do 212º aniversário da independência do país - Claudio Reyes - 19.set.2022/AFP

A Convenção também incorporou 17 assentos reservados para os povos indígenas do país, cujos representantes estavam geralmente localizados na ala esquerda.

A proposta constitucional continha muitas mudanças relativas a esses povos, algumas das quais, como a plurinacionalidade, foram questionadas não apenas pela direita mas também por setores da centro-esquerda.

Essas inovações não repercutiram nos eleitores indígenas: em lugares como Puerta Saavedra, no sul, onde quase 80% da população é da etnia mapuche, 68% da população preferiu a "rejeição".

O Chile fica, portanto, em uma encruzilhada, com uma Constituição vigente despejada desde 2020 mas sem uma substituição à vista.

Olhando para a frente, no entanto, fica uma lição importante: a intenção de envolver os cidadãos por meio de plebiscitos, eleições de representantes e iniciativas populares pode ajudar a legitimar, mas não garante que o processo constituinte seja bem-sucedido.

De fato, a participação cidadã não substitui a capacidade do processo de se alinhar melhor com os interesses dos distintos setores políticos.

A incerteza quanto à continuidade e à forma do processo constituinte é, semanas após o plebiscito de saída, bastante alta.

É responsabilidade de todos os partidos políticos com aspirações democráticas dar continuidade a um processo que levará à adoção de um novo texto constitucional que de fato atraia uma maioria de cidadãos.

Tradução de Giulia Gaspar

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.