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Cristina Kirchner não é Lula

Ela quer convencer os argentinos de que kirchnerismo e lulismo se assimilam, mas esforços contra democracia lembram bolsonarismo

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Sandra Choroszczucha

Cientista política e professora da Universidade de Buenos Aires

Logo após o triunfo de Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil e no meio da disputa no seio do partido governante argentino entre a vice-presidente Cristina Fernández de Kirchner (CFK) e o presidente Alberto Fernández, o atual Ministro do Interior da Argentina, o ultra-Kirchnerista Wado de Pedro, correu para o Brasil para fotografar Lula com um boné com a insígnia "CFK 2023". E Alberto Fernández, pela sua parte, tomou um avião para ser o primeiro presidente a abraçar o brasileiro, que assumirá o poder formalmente em primeiro de janeiro de 2023.

No meio da corrida para "o governo argentino que disputa Lula", Cristina apareceu em público pela primeira vez, após dois meses de ausência, num evento da Unión Obrera Metalúrgica. No seu discurso solene, reconheceu o mérito do atual Ministro da Economia, Sergio Massa, pela gestão da crise econômica face à uma inflação que já se espera que ultrapasse os 100% anualmente.

A vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, em encontro com metalúrgicos na região de Buenos Aires
A vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, em encontro com metalúrgicos na região de Buenos Aires - Juan Mabromata/AFP

Talvez o mais inusitado do discurso de Cristina apareceu no momento em que ela explicou que após doze anos de uma Argentina felizmente Kirchnerista, chegaram quatro anos de uma infeliz Argentina macrista. E que, embora o país esteja agora passando novamente por um modo "muito infeliz" (esta nova enorme infelicidade que já dura há três anos parece não ter responsáveis), em 2023 haverá um regresso (sem ter ido) à "felicidade kirchnerista".

Entretanto, Lula, que não é Cristina, logo após ter disputado ferozmente a campanha eleitoral na qual venceu a Jair Bolsonaro em um confronto afiadíssimo em que abundaram as acusações mútuas, no seu último discurso antes das eleições, anunciou: "A partir de janeiro de 2023, governarei para 213 milhões de brasileiros; não existe dois Brasis, somos um único país, um único povo, uma grande nação". E o líder do PT foi ainda mais longe, reforçando a sua mensagem com a seguinte declaração: "Ninguém está interessado em viver num estado de guerra permanente. Estas pessoas estão cansadas de ver o outro como um inimigo. Chegou o momento de baixar as armas. As armas matam e nós escolhemos a vida".

Enquanto Lula deixou claro que tentará recompor uma sociedade fraturada pela polarização política, transparece que quando chegar o momento da sua posse, Bolsonaro não estará presente, dada a justificativa de uma viagem ao estrangeiro. Este ato antidemocrático de não entregar a faixa presidencial lembra-nos 2015, quando a presidente de saída da Argentina, CFK, sem qualquer viagem, se recusou categoricamente a entregar a faixa presidencial ao então presidente eleito Mauricio Macri, da oposição.

Cristina pretende convencer os argentinos de que o kirchnerismo e o lulismo se assimilam por afinidades de todo o tipo. Contudo, os seus esforços para enfraquecer a democracia e polarizar a sociedade revelam muitas mais semelhanças com o bolsonarismo.

As semelhanças não são poucas e vão desde o desconhecimento protocolar quando o rival político ganha uma eleição presidencial, passando pela identificação do adversário político como um inimigo que deve ser eliminado da cena política, até à intromissão recorrente no Poder Judicial.

Enquanto Bolsonaro procurou interferir especialmente nas instituições judiciais que controlam as eleições, tais como o Tribunal Eleitoral, Cristina interferiu na justiça através de iniciativas para politizá-la (com o pretexto de a democratizar), manipulando o Conselho da Magistratura ou pretendendo, aqui e agora, alterar a composição da Corte Suprema de Justiça.

As recentes eleições no Brasil deixaram claro que o país está absolutamente polarizado e que, em termos eleitorais, está dividido em dois. Além disso, muitos eleitores que votaram a favor de Lula ou Bolsonaro fizeram-no porque estavam "uns contra os outros", em vez de por afinidade com o partido/candidato escolhido. E nestes pontos, os dois manda-chuvas do Mercosul se assemelham.

Nesta ordem de coisas, após as eleições no Brasil, um núcleo duro de bolsonaristas tentou manter Bolsonaro na presidência, apesar de ter sido derrotado nas urnas. Este núcleo organizou bloqueios de estradas e reuniu-se nas principais sedes do Exército, em todas as capitais estatais, para exigir uma intervenção militar, a fim de impedir a presidência de Lula. Bolsonaro, em sintonia com este desentendimento da vitória de Lula, não saiu para reconhecer a sua derrota durante dois dias e, quando o fez, tarde, fez um discurso que durou apenas dois minutos, no qual não reconheceu a vitória do líder PT, mas afirmou que cumpriria a Constituição.

Na Argentina também contamos com um um núcleo duro, kirchnerista, que não sabemos como poderá reagir se o kirchnerismo perder as eleições em 2023. O que sabemos, porque os seus mais leais seguidores já o avisaram em mais de uma ocasião, também bloqueando ruas e manifestando-se furiosamente, é que se Cristina for condenada em qualquer dos casos que a incriminam penalmente nas suas funções como funcionária pública, "será armada uma confusão".

O apelo a uma "pueblada" (a uma desordem social), e a varrer da cena institucional o Poder Judicial da nação se Cristina chegar a ser condenada, se parece demasiadamente com os modismos bolsonaristas.

Cristina não é Lula.

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