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O sequestro do movimento constituinte no Peru

Uma constituinte deveria ser considerada mais que um mecanismo de cooptação de poder

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José de la Torre Ugarte

Trabalhou como consultor em várias instituições governamentais, agências de comunicação e organizações sem fins lucrativos. Possui um MBA pela Pacífico Business School (Lima) e um MS em Marketing pela EAE Business School (Madri).

Após a tentativa fracassada de golpe de Estado de Pedro Castillo e a tomada de posse da vice-presidente do Peru, Dina Boluarte, uma avalanche de agitação social varreu o país andino. O que está acontecendo? Para entender isto, é necessário olhar para os personagens secundários desta história e entender os interesses por trás do movimento constituinte.

Um movimento constituinte é formado por todos aqueles que contribuem com ideias, mobilizam recursos e executam ações de forma organizada para impulsionar uma nova Constituição ou um novo pacto social. Atualmente, este impulso constituinte é povoado por um grupo de políticos sem vocação legalista. Recordemos que, ao dar seu falido golpe, Castillo anunciou que, além de reformar e fechar poderes como o Legislativo, convocaria uma Constituinte. Mas para entender isto, temos que voltar no tempo.

A presidente do Peru, Dina Boularte, em entrevista coletiva em Lima - Cris Bouroncle/AFP

No plano político, houve, desde o início, um grupo conflituoso e violento liderado pelo ex-premier Torres, que já assinalava, antes de assumir o cargo em junho de 2021, que "se estão tentando um golpe, haverá muito derramamento de sangue, mas não terão sucesso". Estas não parecem declarações causais. Entretanto, a estes grupos políticos soma-se o componente de grupos vinculados à mineração e outros negócios informais que também tiveram influência sobre o governo. De fato, as forças que impulsionam o retorno de Pedro Castillo estão realizando bloqueios coordenados e simultâneos, e assumiram pontos estratégicos no país, como aeroportos, represas e usinas energéticas.

Além disso, algumas agrupações questionáveis como as da mineração informal e o narcotráfico foram aliados do governo de Pedro Castillo. Esta foi uma das principais forças de choque neste conflito, como já foi corroborado de forma irrefutável. Não surpreende que, nas diversas marchas que atingiram seu pico em 15 de dezembro, apareceram em todo o país caminhões de mineração, que estão vinculados ao setor ilegal.

Por outro lado, seguindo o devido processo constitucional, o governo ficou nas mãos da vice-presidenta Boluarte. Os aliados de Castillo, entretanto, não a reconhecem como líder e foram os primeiros a mobilizar suas bases contra ela. Entre eles estão grupos como Voces del Pueblo, liderado por Guillermo Bermejo, e Nuevo Perú, liderado por Verónika Mendoza, que se candidatou à presidência em numerosas ocasiões.

Ambos os movimentos mostraram uma abnegada insistência em buscar a libertação e reintegração de Castillo com eleições gerais imediatas, o fechamento do Congresso de forma ilegal e, naturalmente, insistiram na criação de uma nova Constituição. Tudo isso, como parte de um conflito que já causou várias mortes.

Estes movimentos, juntamente com aqueles que legitimamente apoiam o ex-presidente e se sentem representados por ele, estão gerando a percepção de uma suposta ilegitimidade de Boluarte. Deve-se lembrar que uma das principais narrativas do governo Castillo foi promover a ideia de que o país estava vivendo um conflito antagônico entre as províncias e a capital, e ele atacou constantemente a imprensa nacional, acusando-a de não lhe permitir governar por causa de suas origens provinciais.

Este é o relato utilizado pelos aliados do ex-presidente para instrumentalizar o conflito e insistir na convocatória de uma nova Constituinte. É inegável que o Peru está caminhando para a criação de uma Assembleia Constituinte, que virá mais cedo ou mais tarde. A pergunta é: quem irá liderar tal instituição?

Por outro lado, os partidos de direita e de centro do Congresso, que não conseguiram articular um discurso consistente, juntamente com uma imprensa nacional que tem uma visão centralista do país, não conseguiram pressionar por um consenso para votar no Congresso o adiantamento das eleições. Somente isto poderá apaziguar temporariamente o conflito. E isto abre uma controvérsia: convocar eleições o quanto antes e comprometer o devido processo, ou convocá-las após reformas chave terem sido feitas? Uma decisão difícil para uma entidade que tem um índice de aprovação inferior ao do próprio ex-presidente.

Tendo em conta o grave contexto social e o número de mortos, é inegável que as forças políticas que integram o Congresso, que não votaram pelo adiantamento das eleições, têm pouco interesse em solucionar o conflito. Como se isso não fosse suficiente, uma coalizão de partidos e movimentos de esquerda está condicionando o adiantamento das eleições ao pedido de uma Assembleia Constituinte. A situação é de extrema instabilidade e, dada esta situação, o novo Executivo deveria ter articulado melhor o deslocamento militar para evitar o caos e a perda de vidas.

O conflito generalizado pelo domínio da Assembleia Constituinte e sua agenda é o contexto com respeito a um 2023, no qual, em teoria, as próximas eleições ocorrerão. A insistência e falta de interesse na ordem constitucional sugere que o Peru continuará sofrendo ataques antidemocráticos.

Uma Assembleia Constituinte deveria ser considerada como uma oportunidade para um novo pacto social, mais que um mecanismo de cooptação de poder. Mas diante deste contexto, não seria surpresa o ressurgimento da violência diante do processo eleitoral de 2023, impulsionado por aqueles que pretendem controlar as condições sob as quais dita Assembleia será convocada.

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